“Meu corpo não é meu corpo. É ilusão de outro ser. Sabe a arte de esconder-se. E é de tal modo sagaz que a mim de mim ele oculta.”
C. Drummond de Andrade
À batida surda que ecoa na mata, ritmada, frenética, enlouquecida, segue o urro abafado e enraivecido da fera enraigada em meu peito que ordena, ameaça e implora por liberdade, “só um pouco de liberdade”. O convite dos tambores da selva ressoa em meus ouvidos e quero atender às demandas da besta em mim enjaulada que deseja um jorro de adrenalina para romper suas amarras e acelerar as batidas monótonas do dia-a-dia.
Tento entorpecer seus sentidos com nicotina, cafeína, pornografia e açúcares, mas ela quer chuva no rosto, relâmpagos e vento gelado, e pela manhã o sol, e de orvalho os campos cravejados. Ela quer meu coração por território, quer quebrar as grades de seda e linho que tolhem seus movimentos, quer beber água na fonte, farejar os odores escondidos na relva, campear a presa nos prados, e quando por fim exausta, quedar-se dormindo junto aos restos de sua caça.
Valha-me Deus, quase fui! Seduzido por seus encantos, entregar-me a prazeres primitivos da vida de lobisomem. Devo ignorar seu pranto, e ao menos tentar me concentrar nas notas monocórdicas do quotidiano, pois uma vez liberta a fúria, jamais será novamente contida. Coisas da vida.
A vida...ávida por vida...
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