terça-feira, 17 de novembro de 2009

O DIA EM QUE O MUNDO ACABOU


Aceite os fatos, mon ami, o mundo acabou...estamos todos aqui, vestidos com camisola azul – calcinha e boiando no meio do nada, feito peixinhos de aquário, enquanto as migalhinhas da Terra estão por aí. Falando em “por aí”, olha só quanta gente! Olha lá o seu chefe...hoje ele não vai te encher por causa do seu atraso ou pela barba por fazer – eh! eh! – com aquela saia de anjinho ele já está parecendo um botijão de gás. Espera lá, cadê a sua mulher? Procura daqui... Procura dali e você esbarra com o Juca , lembra dele? Pois é, ele continua o mesmo, desde quando ele...morreu!?! Ah, é! Todos aqui estão, até você. Hmmm! Se o Juca está por aqui, então a Marcinha do 604 também; isto é muito interessante...muito, muito interessante. Ih, olha lá a sua esposa de prosa com o falecido. Será que até aqui ele vai te atrapalhar? “O falecido isto, o falecido aquilo” Ou então a clássica: “Ah se fosse no tempo do falecido...” Melhor deixá-los conversando. Será que aqui em cima existe divórcio?
Mas tudo bem, “dá nada não”( como diz a gurizada por aí), aproveite, pegue a sua lira, seu par de asinhas e a auréola e vem comigo. Tirando o fato de estar morto, não é tão ruim estar morto, não é mesmo? Você já estava ficando entediado quando ouve um batuque bastante familiar... um monte de cidadãos afro-brasileiros (antigamente falava-se “negões” com a boca cheia, mas isso foi antes de acharem que negrão é palavrão) atacando um pagodinho, algumas “arianinhas” (viu como soa estranho?) requebrando-se e uma legião de anjinhos com rebolado de gringo acompanhando o ritmo, tudo numa “nice”, como falava-se nos bons velhos tempos. Legal! Tem até caipirinha, mas como aqui é o paraíso, ela é sem álcool (Bleargh!!!), nem tudo é perfeito.
Você come feijoada sem medo da gordura ou do colesterol, afinal, você já foi desta para melhor ( e bota melhor nisso), tirou uma soneca em uma nuvem – que por sinal, são bem melhores que as redes – e teve uma anja – com pinta de atriz pornô – que já andou te dando umas piscadas. Em resumo, não era o Brasil que era um Paraíso, o Paraíso que é um Brasil, só que melhorado, onde se pode conjugar o verbo vagabundear com letras garrafais, e sem constrangimento algum. É tipo um ISO 9002 em vadiagem. Tem um detalhe que não se parece com o Brasil... De repente um sujeito vestido de vermelho e com chifres sai de trás de uma nuvem, te aponta um tridente e diz: “Aê, mermão, vai passando as asinha e a auréola senão te furo!!!” Pronto! Igualzinho ao Brasil...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Carpe Diem




Horácio

Carpe diem quam minimum credula postero
Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.

Colha o dia, confia o mínimo no amanhã
Não perguntes, saber é proibido, o fim que os deuses
darão a mim ou a você, Leuconoe, com os adivinhos da Babilônia
não brinque. É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho
Se muitos invernos Jupiter te dará ou se este é o último,
que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar
Tirreno: seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo
reescale suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciúmento
está fugindo de nós. Colha o dia, confia o mínimo no amanhã.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A LESTE DO ÉDEN


Está chovendo aqui, a leste do Éden, e as exiladas criaturinhas de Deus em silêncio se aninham umas nos braços das outras e mutuamente se consolam. Está frio aqui, a leste do Éden, e as rebeldes criaturinhas de Deus usam seu calor, mutuamente cedido, emprestado, consentido, para aquecerem umas às outras. Leste do Éden é um lugar solitário para se viver, mesmo quando não se está só, mas quando se está, é o ermo, o esquecimento.
Exiladas entre os exilados, algumas sofridas e felizes criaturinhas de Deus há, que perscrutam a multidão procurando o rosto e os braços a que foram destinados desde o nascimento (ou antes). Muitas delas não o conseguirão a princípio e desistirão. Outras tantas encontrarão e não saberão reconhecer, levando assim, uma vida frustrada, sem saber que chegaram perto da felicidade plena, e miseravelmente falharam em identificá-la. Há aquelas que perder-se-ão pelo caminho, seduzidas por paraísos diversos (e fugazes), não podendo e não querendo mais retornar à busca.
No entanto existe sempre a abençoada possibilidade de recuperar sua outra metade e poder retornar à terra de origem, pois não existe destino pior que ser sozinho a leste do Éden.

sábado, 26 de setembro de 2009

Garndes mentiras do BDSM

Não é meu mas adorei! kkkkk


... que a gente diz para os de fora.
1. É uma idéia interessante...
2. É para o meu barco.
3. Eu caí da bicicleta.

... que a gente diz uns para os outros.
1. Eu nunca nem fantasiei sobre algo assim.
2. Só faço isso por diversão.
3. Não preciso disso.
4. Senhor(a), eu farei tudo que quiser.

... que dissemos para nós mesmos.
1. Eu sou normal.
2. Eu sempre paro quando estou realmente bravo.
3. Eu só "brinco" com quem eu respeito.
4. Estou fazendo isso pelas razões certas.

... que os homens dominadores dizem para mulheres submissas.
1. Eu penso nas mulheres como iguais.
2. Eu tenho uma relação saudável com a minha mãe.
3. Eu realmente acredito que uma mulher tem que ser forte para ser submissa.
4. Tudo OK para mim se o sexo não fizer parte do jogo.

... que as mulheres submissas dizem para homens dominadores.
1. Eu não tenho nenhum problema não resolvido com meu pai.
2. É o suficiente servir ao Mestre. Eu não preciso gozar.
3. Eu realmente gosto do senhor no comando.
4. Eu adoro quando você se acaba na minha boca.
5. Lamber seus pés e bunda realmente me excita.
6. Eu acho essa sua barriga sexy.
7. Você me tem de corpo e alma.
8. Você é o único homem que faz me sentir assim.
9. Eu nunca vou deixar você.

... que homens submissos dizem a mulheres dominadoras.
1. Eu farei tudo que você quiser.
2. Eu existo só para te servir.
3. Eu não me importo em não gozar.
4. Encaro as mulheres como seres superiores.
5. Você é linda para mim.
6. Eu realmente me excito em fazer o serviço da casa para você.
7. Minha mulher sabe que faço isso.

... que mulheres dominadoras dizem a homens submissos.
1. Basicamente eu gosto de homens.
2. Usando salto altíssimos me sinto mais poderosa.
3. Eu não consigo dominar um cara se ele não me excita...
4. Eu nunca sou switcher.
5. Adoro fazer chuva dourada.

... que dissemos a futuros possiveis parceiros do nosso jogo.
1. Não é dor. É só uma sensação... forte.
2. Isto é fundamentalmente uma atividade de educação.
3. Submissão é autorização.
4. Você precisa explorar esse seu lado.

... que mulheres dominadoras dizem umas às outras.
1. Eu tenho o escravo perfeito.
2. Sinto que nós duas somos parte de uma mesma irmandade.
3. Eu consigo me manter como top quando estou transando.

... que submissas dizem umas às outras.
1. Meu mestre cuida bem de mim.
2. Eu não sou realmente uma exibicionista.
3. Eu não entro em competição com outras submissas.
4. Tudo bem pra mim se vc ficar com meu Mestre.

... que dominadores heterossexuais dizem uns aos outros.
1. Minha escrava nunca diz não para mim.
2. Alguns dos meus melhores amigos são submissos.
3. Mesmo depois do orgasmo eu posso continuar como dominador.

... que homens heterossexuais submissos dizem uns aos outros.
1. O mais importante é servir à nossa dona.
2. Eu nunca digo para ela o que fazer.
3. Eu nunca vou a uma dominadora profissional.
4. Adoro quando minha dona não me deixa gozar por dias a fio...
5. Eu não me importo que você suporte mais dor do que eu.
6. Eu realmente acredito que a minha missão é servir as mulheres.
7. Eu realmente adoro ficar embaixo da minha dona quando ela está menstruada.

... que bi switchers dizem uns aos outros.
1. Eu realmente não me importo com que sexo estou transando.
2. Eu não sou homofóbico.
3. Eu separo sexo do SM.
4. Ser bi é ter o melhor dos dois mundos.
5. Eu só brinco com quem tenho intimidade.
6. Eu só brinco com outros switchers.

... que dominadoras profissionais dizem umas às outras.
1. O negócio é bom.
2. Eu nunca tenho sexo com clientes.
3. Os negócios vão mal.
4. Sempre faço só o que quero e digo não para os clientes que querem outras coisas.
5. Eu faria isso mesmo que não tivesse sendo paga.
6. Nunca tenho necessidade de ser sub.
7. Tenho sempre o controle durante uma sessão.
8. Eu sou uma ótima mulher de negócios.
9. Meu amor não sabe que faço isso.
10. Foi minha vontade largar o último emprego decente que tive.

...que clientes dizem para dominadoras profissionais.
1. Eu sou uma pessoa muito higiênica.
2. Estarei aí.
3. Estarei aí no horário.
4. Não estou com esperanças que nosso encontro se transforme em sexo.
5. Prometo que eu não conto para ninguem se você transar comigo.

... que os baunilhas dizem para os SM.
1. Ouvir sobre isso não me choca.
2. Conheço outras pessoas que estão nessa.
3. A gente também negocia tudo...

E, finalmente, as três grandes mentiras das três grandes mentiras...
1. Nada do que foi dito aqui é para ser levado para o lado pessoal.
2. Sentimos muito se ofendemos alguém.
3. Nós nunca faremos isso de novo.

Todas as cartas iradas, urros de protesto e outros "flames" serão alegremente ignorados (pedidos para repetir serão atendidos).

In Time of Pestilence

Thomas Nashe

ADIEU, farewell earth's bliss!
This world uncertain is:
Fond are life's lustful joys,
Death proves them all but toys.
None from his darts can fly;
I am sick, I must die--
Lord, have mercy on us!

Rich men, trust not in wealth,
Gold cannot buy you health;
Physic himself must fade;
All things to end are made;
The plague full swift goes by;
I am sick, I must die--
Lord, have mercy on us!

Beauty is but a flower
Which wrinkles will devour;
Brightness falls from the air;
Queens have died young and fair;
Dust hath closed Helen's eye;
I am sick, I must die--
Lord, have mercy on us!

Strength stoops unto the grave,
Worms feed on Hector brave;
Swords may not fight with fate;
Earth still holds ope her gate;
Come, come! the bells do cry;
I am sick, I must die--
Lord, have mercy on us!

Wit with his wantonness
Tasteth death's bitterness;
Hell's executioner
Hath no ears for to hear
What vain art can reply;
I am sick, I must die--
Lord, have mercy on us!

Haste therefore each degree
To welcome destiny;
Heaven is our heritage,
Earth but a player's stage.
Mount we unto the sky;
I am sick, I must die--
Lord, have mercy on us!

Henri Miller, Tropic Of Capricorn

"Há bocetas que riem e bocetas que falam; a bocetas malucas e histéricas com o formato de ocarinas e há bocetas abundantes e sismográficas que registram o subir e o baixar da seiva; a bocetas canibalistas que se abrem como as fauces de baleia e engolem vivo; há também bocetas masoquistas que se fecham como ostra, têm conchas duras e talvez uma ou duas pérolas dentro; há bocetas ditirâmbicas que dançam à mera aproximação do pênis e ficam inteiramente úmidas com êxtase; há bocetas porco-espinho que abrem seus espinhos e sacodem bandeirinhas na época do Natal; há bocetas telegráficas que praticam o código Morse e deixam a mente cheia de pontos e traços; há as bocetas políticas que estão saturadas de ideologia e que negam até mesmo a menopausa; há bocetas vegetativas que não apresentam reação a menos que você as puxe pelas raízes; há bocetas religiosas que cheiram como Adventistas do Sétimo Dia e estão cheias de contas, minhocas, conchas, excrementos de carneiro e de vez em quando migalhas de pão seco; há as bocetas mamíferas que são forradas com pele de lontra e hibernam durante o longo inverno; há bocetas navegantes equipadas com iates, que são para os solitários e epiléticos; há bocetas glaciais nas quais você pode deixar cair estrelas cadentes sem provocar uma faísca; há bocetas mistas que não se enquadram em categorias ou descrições, com as quais você se encontra uma só vez na vida e que o deixam queimado e marcado; há bocetas feitas de pura alegria que não tem nome nem antecedente e estas são as melhores de todas, mas para onde voaram elas? E depois há a boceta das bocetas, que é tudo e que chamaremos de superboceta, porque não é desta terra, mas daquele brilhante país para onde fomos há muito tempo convidados a voar."
(Henri Miller, Tropic Of Capricorn)

20 Coisas que Você Não Gostaria de Ouvir...

(Não é meu mas adorei!!! kkk)

Vinte coisas que você não gostaria de ouvir quando está completamente amarrado, amordaçado e suspenso, na sua primeira sessão com o novo(a) Dono(a) que você conheceu pela internet
1- Eu tenho certeza de que tem outra chave dessas em algum lugar...
2- Se este era o tubo de cola-tudo, onde é que foi parar o tubo de KY?
3- Já contei sobre os anos que passei no Sanatório Judiciário?
4- Não se preocupe, tenho semanas de experiência.
5- Sei o que estou fazendo. Já li todos os livros do Marquês de Sade.
6- Na última vez em que tentei isso não deu muito certo... vamos ver agora.
7- Foi assim que meu último escravo morreu. Vamos ver se desta vez dá certo.
8- Você não se importa com marcas e mutilações, não é mesmo?
9- Qual era mesmo a safe-word que a gente combinou? Ah, deixa pra lá.
10- Onde estará a chave do meu armário de facas e lâminas?...
11- Confie em mim. Eu vi isso num filme uma vez.
12- Você não disse a mais ninguém que viria aqui, disse?
13- Precisamos ir rápido com isso porque eu preciso voltar para o presídio esta noite.
14- Comentei que minha webcam está ligada, e estamos sendo vistos na rede?
15- Safe Word? O que é um Safe Word?
16- Eu sei o que estou fazendo. Já li cinco livros de Gor.
17- Já mencionei a fantasia que tenho com bolas de tênis?
18- Meu verdadeiro nome? Bates. E você é a cara da minha mãe.
19- Estes são meus dobbermans: Maguila e Mike Tyson. Vamos brincar com eles?
20- Será que tomei meu remédio hoje? Você viu por aí uma caixinha, com uma tarja preta...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Meu filhinho Troy se foi...

Onde você estiver, meu nego, o coração do papai está contigo! Papai te ama, meu boi da cara preta!



quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sphynx


Decifro-te.
Devoro-te.
Traduzo-te
Em minha língua:
Versos livres em
Curvas perigosas.
Minha língua
Conjuga
A tua.
Verto-te,
Componho-te;
Poema,
Mulher-poema,
Mulher.

Beladona


Loura luz do fogo
Quente ao toque
Perigosa ao toque
Irresistível ao toque
Toco-te e
Tocando
Escravizo-me

Vem

Vence

Toma-me
Doma-me
Sou teu

Outro
Eu

terça-feira, 14 de julho de 2009

No futuro, futebol!


1o Quadro:
Evacuação do Estádio Nacional de Uganda. Final da Copa do Mundo de 2.104. O terceiro dia de distúrbios civis originados no confronto entre a torcida macedônica e a torcida inglesa trouxe consigo a intervenção de tropas federais. Após intensos combates, ambas as torcidas, então aliadas contra o exército, puderam ser desalojadas de suas barricadas nas antes esplendorosas instalações da Jóia do Continente Africano.

2o Quadro:
A multidão vai sendo lentamente evacuada das ruínas ardentes. Lentamente eles marcham, mãos na cabeça, aproximando-se, em muitas filas, dos postos de identificação e triagem, sob a guarda atenta dos blindados e exo-trajes (a menina dos olhos da tecnologia bélica) e sob a vigilância dos helicópteros de apoio da infantaria ugandense.
Ao fundo ouve-se os últimos tiros disparados contra e pelo último foco de resistência instalado, em trincheiras cavadas no centro do campo. Macedônios e ingleses irmanados em sua obstinação de não serem capturados.
O perfil de gafanhoto dos helicópteros mais recuados cospe projéteis brilhantes e explosões iluminam os contornos do estádio. Uma aura de chamas eleva-se, coroando o estádio.

3o Quadro:
Dois meninos locais, escondidos embaixo de um caminhão de comunicação estacionado observam o espetáculo de chamas e luzes e sirenes entremeadas às ordens gritadas pelos alto-falantes e os gritos de júbilos dos vitoriosos e os de agonia dos vencidos.
- Vambora! Eles vão nos encontrar e vão nos levar e nos fichar também! A gente vai virar vegetal num reformatório! Vambora!!!
O outro, fascinado, observa um capacete de artilheiro de helicóptero, caído, esquecido, deixado no chão, alguns metros à sua frente.
- Tá bom, mas eu quero levar o capacete. A gente merece!
- Cê tá louco?!? Eles vão nos ver!!!

4o Quadro:
Um exo-traje, a glória dos armeiros da Krupp, Rodopia, semi-descontrolado. Ele dispara em todas as direções; seu ocupante grita mas o teor dos gritos é abafado pelo rugido dos canhões e o disparo de seus foguetes. O alvo é tudo nos 360 graus que o rodeiam.
O pânico se alastra pela multidão e entre os soldados a pé. Civis e militares tombam lado a lado, uns e outros tentam se proteger e uns aos outros. Um blindado explode, iluminando a carcaça enegrecida do estádio. Outros exo-trajes e blindados formam um semicírculo, a uma distância razoável, em torno do exo-traje descontrolado. Um helicóptero é atingido em seu estabilizador, pousa, em chamas. O piloto consegue escapar, mas o artilheiro é tragado pela explosão que se sucede quando o aparelho é novamente alvejado. Mesmo sob intenso fogo, o exo-traje continua varrendo as posições de seus atacantes.
Caos! A multidão uniformizada e os militares se dispersam, fogem em todas as direções à procura de abrigo, de proteção.

5o Quadro:
Um súbito silêncio, como que atendendo a um mudo cessar-fogo, ambos os lados calam suas armas. Ouve-se um solitário tiro e o capacete cibernético do exo-traje enlouquecido é arrancado. Um snipper... Um snipper!!! Sem o capacete, o traje torna-se inoperante! Claro, um snipper!!!
O capacete rola, lânguido pelo asfalto fumegante do estacionamento imenso. O tiro fora certeiro, talvez o ocupante indefeso do traje possa até ser resgatado vivo das ferragens de seu equipamento inerte. O capacete pára de rolar e cai, próximo a um caminhão de comunicações.

6o Quadro:
- O método de Gauss-Hopfer não está funcionando, vamos perdê-lo, senhor!!
- Talvez seja melhor assim, Major... talvez seja melhor assim. Os homens iam enterrar o coitado na cela mais escura e iam esquecer dele!
- Mas com certeza foi defeito no traje!
- E você acha que eles iam cancelar os contratos de defesa bilionários por causa de uns bostas como nós?!? Falha humana vai ser o laudo da perícia, que apostar?
- É uma pena... ele jogava um bolão, hein?
- É?!? Que posição?
- Ataque! Era artilheito do 25o de Infantaria Blindada Ligeira...
- Aqueles putos sempre pegam os melhores!
Eles se vão, deixando o corpo do jovem imberbe aos cuidados de uma dúzia de socorristas de graduação mais baixa.

7o Quadro:
Dois meninos locais escondidos embaixo do caminhão de comunicação se esgueiram para fora. Um puxa desesperadamente o segundo pela manga da jaqueta, este, só tem olhos cobiçosos para os dois capacetes que jazem a poucos metros de seus pés.
- Vambora, vambora!!! Eu não quero ser preso!!!
O outro abaixa, pega o capacete cibernético, recém chegado e aponta o outro.
- Tá bom! Pega o outro e a gente vai. Nós merecemos eles!!!
- Cê tá é louco!!! Vambora!!!
Ele se abaixa e pega o outro capacete, sopesa os dois, trasfere-os para uma só mão e diz:
- Então vamos, mas os dois são meus agora!
Saem correndo.
- Você é louco! Ia nos colocar em encrenca por causa destes penicos!!! Irresponsável!!!
- Mijão!
- Não sou, não!!!
- Eu tava deitado numa poça!
- Tava não!!!
- Tava sim!
- Histérico!!!
- Ladrão!!!
- Bundão!!!
Ambos somem na noite...

EDUCAÇÃO NO BRASIL - UM ENIGMA


Dizer que o Brasil é um país de grandes contrastes tornou-se um lugar-comum nos meios de comunicação. Encontramos desigualdades brutais no território de dimensões continentais do Brasil. Um dos elementos que dão origem aos contrastes sócio-econômicos é a questão da educação. Contando com 16 milhões de analfabetos (número superior à população de alguns dos países vizinhos na América do Sul), configura-se em um verdadeiro desafio cumprir o que preconiza a Carta Magna quando reza que a educação é um direito de todos os brasileiros e um dever do estado em fornecê-la gratuitamente, integralmente e com qualidade.
O perfil das pessoas em condições de analfabetismo inclui aqueles que tiveram de abandonar os bancos escolares para ingressar prematuramente no mercado de trabalho, visando ajudar no sustento de seu núcleo familiar; pessoas que se mudaram de residência ou residem demasiadamente longe da rede escolar, entre outros motivos. É nesta condição de exclusão social que populações inteiras permanecem em situação de vulnerabilidade, sendo-lhes negadas condições mesmo de sobrevivência imediata e aspirações de ascensão social através do estudo.
Independentemente de credo, etnia, gênero ou indicadores sócio-econômicos, os jovens têm, em comum entre si, uma série de características que os tornam ao mesmo tempo uma grande esperança para a melhoria deste país, como também uma grande preocupação quanto ao futuro de nosso povo. O jovem e adulto não alfabetizado não foge deste quadro, também eles representam depositários da esperança e ansiedade que nós, seus contemporâneos, depositamos nos jovens e adultos alfabetizados.
Infelizmente existe ainda muito preconceito para com a pessoa que não tenha passado pela experiência escolar, relegando-a à condição de cidadão de segunda categoria ou até mesmo indivíduo que “não aprende”. Nada poderia ser mais distante da realidade. As pessoas não alfabetizadas acabam passando por uma espécie diferente de aprendizado, de cunho empírico, aprendendo a lidar com seu dinheiro, a administração básicas de seus compromissos, sua orientação nas ruas. As estratégias desenvolvidas neste aprendizado depõem a favor da capacidade humana de aprendizado, mostrando-nos que um processo educativo urge que levemos em consideração estas habilidades do jovem, adulto e idoso não alfabetizado.
É neste ponto que se insere como elemento chave nesta transformação pessoal e social a figura do educador, como mediador entre o indivíduo tido como educando e o mundo da linguagem escrita e comunicação, propiciando uma interação mutuamente enriquecedora em uma relação de aprendizado bilateral, onde ambos os lados se beneficiam dos conteúdos partilhados.
A formação de turmas de alfabetização geralmente inclui elementos heterogêneos, incluindo pessoas de diversas camadas etárias, com diversas origens e panoramas sócio-culturais. Assim sendo, é fundamental que o educador leve esta heterogeneidade em conta para que possa efetivamente intervir positivamente na vida de cada um dos indivíduos envolvidos.

domingo, 5 de julho de 2009

Sonho 05 jul 2009 – 2h.


2095, estava escrito na parede. Estava frio e sufocante. Tudo estava [em ruínas,] enegrecido e muitas coisas queimavam. [Era noite e as chamas dos incêndios iluminavam tudo em vermelho e amarelo.] O arcanjo de cabelos curtos [alourados e sujo de fuligem] estava interrogando freneticamente aqueles recém-falecidos porque alguém sabia como pará-lOs. De alma em alma ele perguntava. Alguns não sabiam e ele ia os despachando para seus destinos. Era 2095 eu pensei, era 2095. Um santo padre estava agonizando, esquelético e tremendo de frio. Uma por uma, o arcanjo interrogava as almas dos recém-falecidos. Uma mulher, não muito jovem [na casa dos cinquenta ou sessenta anos, gordinha de cabelos curtos e claros] era a mais próxima [do que ele queria saber]. O conhecimento brilhava nos olhos dela. Ela sabia. Mas o medo brilhava nos olhos dela também. Medo de algo pior que o inferno. Ele implorava para que ela falasse. Ele também ameaçava. Ela chacoalhava negativamente a cabeça e não abria a boca mesmo para recusar. Ela preferia todo o inferno que a vingança dAquele que causava todo o mal na Terra. O Arcanjo finalmente suspirou e disse “pois bem, a condenação eterna, então”... Suspirou e impôs a mão sobre ela e ela se foi. Ele se deixou cair sentado, mãos juntas. O santo padre gritou desesperado e a Morte o tomou nos braços. Sua alma deixou o recinto, a cabeça dele tombou sobre o peito, um grito desdentado congelado no rosto dele. O arcanjo falou para si “ela preferiu a danação à vingança dEle”, e olhou para mim... “Diga que ela ainda não fez isso. Escreva para que quando a hora for certa, ela tome a decisão acertada e fale”. Algo explodiu silenciosamente e as coisas pegaram fogo. Ele gritou e me mandou embora. 2095 estava na parede. Acordei.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Nota explicativa:

Tenebras é o nome provisório que dei a um romance gótico contemporâneo que estava escrevendo há uns oito anos atrás... reuni o que tenho digitado e publiquei aqui para que ao menos parte dele seja divulgado... não sei se um dia vou voltar a trabalhar nele... as coisas mudaram, eu mudei... não sei se ainda consigo escrever da maneira que escrevia naquela época.

De toda forma, atualmente estou trabalhando em uam série de contor policiais "noir" de caráter semi-autobiográfico.

Gratos

Chrys

TENEBRAS - Epílogo capítulo II

Elisa está exausta, hoje eles estiveram inspirados. Cantadas e convites da mais baixa extração pipocaram em seus ouvidos. Um velho fazendeiro chegara a abrir seu talão de cheques para acompanhar uma proposta ultrajante. Apesar do desejo intenso de sugerir para qual parente próxima ele deveria fazer sua oferta, Elisa teve de se contentar em dizer que ele se enganara e prometer que enviaria o book do hotel para sua suíte. No entanto, o tal fazendeiro batia recordes de inconveniência; dissera que era ela e nenhuma outra a quem ele queria e que nunca mulher alguma recusara seu dinheiro. já em sua última reserva de paciência, polidamente informou-o que se caso não percebera, não era este tipo de mulher (acrescentou um esgar de repugnância ao dizer “este tipo de mulher”) e que um processo por assédio sexual não conviria para um homem tão (ARGH!) distinto. Isto bastou para lhe assegurar alguns minutos de tranquilidade, até que outro tivesse idéias obscuras a seu respeito. Hmpf...dia muito lucrativo se ela fosse uma garota de programa. Como não o é, somente mais um daqueles dias que se quer riscar do calendário, esquecer que sequer existira.
A rua, como sempre, está escura. A copa fechada das árvores forma uma abóbada, transformando a luz mortiça das lâmpadas de vapor de mercúrio em uma bruxuleante renda de luz amarelo-esverdeada, dando um aspecto feérico à rua Santa Joaquina de Vedruna. Poderia seguir pela Avenida Dr. Luís Teixeira Mendes, que corre paralela, como o faz costumeiramente, mas seus pés doem muito, e quando chegasse à altura da Associação Atlética do Banco do Brasil, teria uma quadra a mais em sua subida já penosa. “Droga – ela pensa – amanhã trarei um par de sandálias rasteirinhas para ir embora. Este salto vai me matar!” Um morcego passa raspando por seu rosto e ela dá um gritinho abafado, seu coração dispara. Uma coruja pia assustadoramente Ela se lembra que já é muito tarde, há muitos terrenos baldios, muitas mansõezinhas e muitas casas vazias ou abandonadas na Santa Joaquina. . “Nunca mais venho por aqui. Deveria ter pego um moto táxi, hoje falta só mais algumas quadras. Nunca tive medo daqui, só vou pela Teixeira Mendes por precaução.” Mas ela está muito tensa hoje, todos do hotel pareciam olhá-la de modo diferente hoje. “Será que vão me dispensar?” Não era nada comum que a gerência a tratasse de forma tão distante, até nutriam uma velada predileção por Elisa. Está profundamente imersa em seus pensamentos até que é chamada à realidade por uma pedra, uma topada, um pé que vira, um salto que se quebra, um joelho que se rala. A dor é lancinante, só superada pelo nó no estômago quando ela ouve um par de passos atrás de si. Ela se vira e nada, só as sombras dos trocos frondosos e da copa espessa, um rasgo de luz na rua meio esburacada, um Audi estacionado, um gato que cruza a rua. “Deve ter sido o eco e nada mais. E... engraçado, não me lembro de haver passado por aquele Audi... tenho de prestar mais atenção nas coisas, qualquer carro tudo bem, mas um Audi?” Sua segunda mente ainda cisma “Mas um Audi?” Ela se levanta, molha o dedo em saliva e limpa o sangue do joelho. “Hmmm... Melhor eu andar mais devagar e calçada, mesmo que com uma sandália de salto quebrado, que sair descalça por aí e lanhar todo o pé.” E lá se foi, com a tornozeleira dourada a oscilar na curva do pezinho dolorido. Poc...pop...poc...pop... “Se eles me forem dispensar, vão me chamar e oferecer os dois períodos de férias que tenho vencidos. Isso e mais os trinta dias de aviso prévio, me darão três meses para procurar trabalho.” Falta um pouco ainda para chegar à Carlos Borges. Depois, uma quadra de subida, a praça do Colégio Byington Jr. com seus eucaliptos imensos e dividida ao meio pela rua, mais duas quadras e voilá, banho quente, curativo no joelho, leite morno, óleo de cânfora nas pernas e cama macia. O amanhã, só amanhã. Sem aviso, um buraco e o salto vai definitivamente embora. O “poc...poc...poc” continua. Elisa se vira rapidamente, parece uma gatinha acuada com o pelo eriçado. “Quem é você?!?” Por um instante ela pensa ter visto duas brasinhas gêmeas onde seriam os olhos daquela silhueta feminina que se aproxima e que fala com uma inflexão muito polida:
- Desculpe se te assustei, querida. Está muito escuro aqui. Posso te fazer companhia?
O tom plácido tranquiliza a jovem, ela mede de cima abaixo sua companhia, uma morena muito alta e bonita, com os cabelos claros. Elisa murmura um “ã-hã, espera aí” e termina de retirar suas sandálias. “É, vou precisar da cânfora nos pés também. Ah! Dane-se!”
- Indo para casa?
- Ã-hã.
Muito bonita, perfumada, elegante. Não deveria andar assim a essas horas.
- Ah, minha querida, eu sei me defender. Mas muito obrigada pela preocupação.
Como ela fez isso?!?! Ei!!! Ela é aquela mulher do...
- Exatamente. Agora, shhhhhh... você já falou demais.
Elisa tenta gritar mas sua voz não sai. Tenta correr, mas seu tornozelo dói horrivelmente. Medida desesperada, resolve se virar e reagir, mas os olhos dela parecem duas brasas, deixando-a lenta, subjugando-a... Um Audi A-8 estaciona, dois homens saltam carregando em suas mãos o que parecem ser rolos de corda. Os olhos de Elisa se fecham, como se ela estivesse adormecendo.
Nas horas que se seguem, Elisa desejou ter ido pela Teixeira Mendes; desejou haver tomado um táxi ou moto táxi; desejou ardentemente haver aceito o convite obsceno do fazendeiro nojento, pois teria sido deixada na porta de casa. Por fim, desejou nunca haver nascido. Seu último pensamento antes de perder os sentidos pela última vez nesta noite (e para sempre) foi: “ como ela fez aquilo?”
Amanhece. O sol inunda com sua luz uma cidade verde, bela e calma. A classe mais afortunada que mora nas regiões centrais da cidade tem uma surpresa ao divisar com seu mais famoso cartão postal. “Um novo enfeite!” dirão uns. “Mas o Natal ainda está tão longe...” completarão outros. Quem tomar um binóculo ou outro instrumento ótico vai perceber em primeira mão que preso aos braços da cruz que encima a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, há um casulo inerte e sangrento confeccionado com arame farpado em um arabesco intrincado cujo conteúdo só pode ser identificado porque foi deixado de fora um par de pezinhos lanhados por caminhar no asfalto e adornados por uma graciosa tornozeleira de onde pende uma cruzinha dourada. Banhados em sangue.

TENEBRAS - Capítulo II

CAPÍTULO II
Quarta-feira cinzenta, linda. Chuva fina, friozinho, um atípico dia de outono nestas latitudes, um presente de aniversário adiantado. Dia ótimo para se trabalhar em casa. Ligo para Dona Marta, a secretária e peço que desmarque todos os compromissos. Oriento-a para que tire o dia de folga e vá fazer umas comprinhas. Ela simplesmente adora, diz que sou um santo, pergunta se ainda tenho aquele “sobretudo preto lindo” e ante a afirmativa, promete que vai tricotar uma echarpe para mim. Ha ha ha. Que lindo. Quando penso em como fora difícil condicionar uma adulta, ainda que muito promissora, sem o conhecimento da Ordem; sem confinamento e nem as condições mais elementares; em face ao que hoje ela representa para mim, digo a mim mesmo que valeu muito à pena. Foram anos de laboriosa lapidação, mas ela convertera-se em minha mais eficiente colaboradora. Naturalmente houvera um ponto importante a favor do sucesso absoluto de seu treinamento: fora eu quem a retirara das ruas e dos pequenos programas mal remunerados e perigosos. Não quisera nada em troca, apenas me parecera interessante aproveitar aquele brilho de inteligência que possui. Por tudo que já passáramos, Marta é de uma fidelidade canina e carinho quase sufocante para comigo.
Antes que desligasse, informou-me que havia uma mensageira esperando por mim. Ela marcara o “uma mensageira” de uma maneira muito peculiar. Deve ser algo importante para eles mandarem um “correio de voz”. Okay, pedi a Marta que chamasse um táxi e a encaminhasse para minha casa, e enviasse junto alguns processos para análise e meu pequeno gravador, acondicionado em um pacote não identificável. É sempre bom gravar estes comunicados, às vezes são muito longos e de toda forma, uma gravação sempre é uma prova material.
Desliguei, tomei um banho e antes que tivesse terminado de passar meu café, a mensageira estava à minha porta. Fechei o quimono e convidei-a a entrar. Era uma mulata muito bonita, se tivesse dezoito anos seria muito. Valéria, como se apresentou, aparenta haver saído recentemente dos programas de iniciação e formação. Ela entra sem se incomodar com minha seminudez, entrega-me o pacote enviado por Marta, aceita uma generosa caneca de café sem malte que lhe ofereço, afinal, ela está a serviço, e o álcool atrapalha suas preciosas habilidades. Bebemos em silêncio, eu a estudando, ela admirando as gravuras nas paredes de meu aconchegante estúdio. Tão logo termina, depõe sua caneca de lado, levanta-se, assume a postura de vigilância amena e recita cerimoniosamente:
- Quando as línguas se confundiram e os povos se espalharam, ainda assim mantivemo-nos unidos.
- Pois à cota de malha forjada no inferno, é necessário mais que calor e pressão para ser rompida. – Respondi.
- Destarte, os grilhões que nos separam apresentam elos invisíveis que nos unem.
- Assim, ao mensageiro alado que cumpre com fidelidade sua missão, seja oferecida hospitalidade e respeito. Sê bem-vinda, esteja uma vez mais entre nós.
Cumprido o protocolo de ativação, seus olhos adquirem o brilho vítreo característico do pré-transe. Ainda uma checagem de segurança e ouvirei o que desejam que ouça.
- Mensagem para Mestre Alfredo Frater Ordo Iscarioti, da parte de Mestre Anatole. Mestre Alfredo sois vós?
- Sim.
- Qual a chave que abre todas as portas?
- Poder e glória.
Seu rosto, que até então encontrava-se neutro, adquire rapidamente uma nova configuração. Os maneirismos nada mais têm a ver com a menina delicada que há pouco partilhava da bebida quente comigo. Ela é uma mimetizadora, uma pessoa que apresentara desde a mais tenra infância a habilidade de reproduzir com relativa perfeição a linguagem corporal de outrem. Esta habilidade é preciosa em uma organização como a nossa, na qual mesmo suas comunicações mais triviais devem-se revestir de uma opacidade quase hermética. Claro, oficialmente não existimos. Um mimetizador é condicionado para utilizar seus dons sob circunstâncias específicas, ativados mediante um gatilho pós-hipnótico. Um mensageiro, quando ativado, reproduz à perfeição toda a comunicação enviada: voz, tonalidades, trejeitos, expressões corporais, subtons, e até outros pequenos tiques e idiossincrasias, enfim, tudo. E lá estava ela, com o cenho cerrado e o ar grave de Anatole, o representante da Confederação, um arquipélago de siglas que reúne desde grupos de trocadores de casais suecos até às truculentas facções da Ordem no Leste Europeu.
Vinte horas e cinquenta minutos. Uma vez mais atendo a uma convocação do conselho de Priores. Os velhotes devem estar em polvorosa com o episódio do sebo. Dirijo-me à habitual sala de reuniões do três estrelas mais antigo da cidade. Deville é seu nome e já viu dias mais opulentos, agora tem um certo charme decadente, suas tapeçarias em estilo tropical continuam horrendas mas o aspecto geral é interessante. Os velhos devem estar caducando para manter este lugar como Sinédrio. Talvez seja a semelhança gráfica: “DEVIL”, Deville... claro que seria banal demais, mas alguns Membros tornam-se muito óbvios com a chegada da velhice. Talvez os lobos estejam perdendo os dentes. E quando isto acontece, é sinal de que a matilha precisa de novos líderes. O saguão amplo é forrado com um carpete discreto, lojas de conveniência na ala direita, nada de muito sofisticado, um revendedor de artigos para surfe (numa cidade situada a seiscentos quilômetros da praia mais próxima!), uma loja de presentes com peças artísticas desiguais, algumas realmente muito bonitas e outras que só seriam compradas por pessoas de gosto duvidoso.
No balcão de mogno (herança de tempos mais generosos) duas ou três recepcionistas em uniformes que lembram os de comissárias de bordo, todas muito bonitas e com aquele arzinho afetado que as classes trabalhadoras ostentam quando sua colocação profissional permite frequentar os mesmos ambientes que os ricos. Ao fundo, uma série de relógios informa horários em vários meridianos numa tentativa de dar um ar cosmopolita ao lugar, mas é traído por todos estes malditos televisores espalhados por aqui. O ponto alto do ambiente é um belíssimo Pedro Jorge. Um samurai de bronze desembainha sua lâmina. O vento sopra com leveza esvoaçando graciosamente as faixas soltas de sua armadura. Deter-me-ei aqui por alguns minutos bebendo de suas formas, lendo com o tato suas texturas até decidir que estou suficientemente atrasado. Que os anciãos me aguardem um pouco e pelo circuito interno de segurança eles entenderão exatamente o que digo: “foda-se sua convocação, fodam-se vocês todos. Seu tempo está se esgotando.”adoraria passar horas e horas admirando este bronze, mas tenho de aviar-me. Preciso de um destes em casa. Talvez, após desferir meu golpe mas adianto-me, uma coisa de cada vez. O pequeno corredor que conduz ao elevador administrativo é ladeado pela recepção, de modo que não é possível chegar até ele sem ser abordado pelas atendentes. Sim, lá vem uma delas. Por sinal, a mais bela em atividade no momento. Nunca a vira antes. Ela me saúda com um sorriso muito plástico. Seu semblante quase transmite a hospitalidade que dela é esperada.
- Boa noite, senhor. Em que posso ser útil?
Seios firmes e saudáveis, cabeleira loura presa na nuca e caindo em pequenos caracóis por sobre os ombros (Deus, é a própria Cachinhos Dourados adulta). Eu a quero e a terei. As articulações de seus dedos são reforçadas. Em algum momento de sua vida, trabalhara como diarista. As unhas são mantidas curtas e com esmalte incolor. Ainda hoje realiza a limpeza em sua casa. Ela não suporta homens que ostentam poder, prefere sutis mas que exalem presença, como faróis. Primeiro, uma tática suave de abordagem. Neutra, somente para avaliar a resposta emocional. Tudo bem... Tom de voz suave, grave e macio, como se fosse originado no occipital, travar no rosto a expressão de concentração serena do treinamento básico. Por aproximação, será associada a um rosto despretensioso, confiável. Nos olhos, um ar ligeiramente blasé, mas não esnobe.
- Boa noite, tenho uma reunião na sala de convenções às vinte e uma horas.
O perfume é importado, caro e agradável; a maquiagem poderia ser mais discreta. Ombros retos; ela nada regularmente. Classe média baixa, solteira, relativa experiência... Sim, ela deseja tornar-se uma grande predadora e para isso torna-se uma grande pecadora. A ganância e a soberba são fortes nela, a luxúria uma ferramenta, a inveja o parâmetro de sua ambição. Esta moça teria futuro na Ordem. Talvez, depois da reunião. Mas antes, vencer a resistência. Está acostumada aos homens pavonearem-se diante dela. Está já antevendo o momento da cantada. Distanciou-se. Quer se mostrar desejável mas pouco acessível. O problema desta tática é que ela é um caminho de duas mãos. Aguarde, pequenina.
- Sim? Qual o grupo de trabalho?
Olhos firmes, ela sabe exatamente como conseguir o que quer. Dentes grandes, bonitos e muito brancos: não-fumante. Elisa... nome curto, bonito. Coluna ereta Provavelmente é a primeira geração de sua família a frequentar uma universidade. Administração? Não. Direito, ela se comunica bem e já tem a postura da profissão. Talvez esteja na metade do curso, não mais possui aquele olhar virgem dos primeiranistas, no entanto, ainda é desprovida da arrogância fria do recém-formado. Pescoço longo e convidativo. “É agora” – ela deve estar pensando – “ele VAI tentar agora”. Mas não, corro os olhos pelo lobby intencionalmente distraído. Sua auto-confiança se esvai em um momento crucial. A frustração transparece nos olhos. Muito talento, nenhum treinamento. Seus lábios carnudos e bem vermelhos estão se mexendo, há uma ponta de queixume na voz, ela está cobrando atenção. Hmmm... Carência demais, estamos quase chegando ao núcleo macio daquele monolito. Sim, um vácuo onde haveria uma figura paterna. Uma menina de sete anos não faria um moxuxo mais completo: “Papai, olha só meu dedo, tá doendo!”
- Senhor... senhor? Qual o grupo de trabalho?
- Hã? Ah sim, desculpe. Protocolos Centro-Sul.
- Qual seu nome, senhor?
A Menção ao grupo opera uma mudança significativa em seu rosto e torna seus olhos mais convidativos. Definitivamente após a reunião. Ela detesta perder. Principalmente quando acredita que há vantagem em se ganhar. Sem me tornar formal ou arrogante, distancio-me um pouco mais. É muito comum que puxemos com os olhos aquilo que queiramos (as classes menos favorecidas dizem, não sem uma certa razão: “comer com os olhos”) e agora a fome está em seus olhos. Uma sua parte se sente ultrajada... “Quem ele pensa que é? Não vai me esnobar, não pode me esnobar.” Começa a despontar a raiva, cuidado agora. Não vá pôr tudo a perder. Volto à neutralidade. “Olá estranha, meu nome é...”
- Alfredo de Aguiar e Gusmão.
Ela se desdobra em esmero para ser-me agradável. Precisa neste momento fugaz de minha aprovação. Se ela tiver mais alguns minutos de reflexão, vai parametrizar e chegará à conclusão óbvia de que este flerte não terá importância alguma para o resto de sua vida. Então ela não terá estes minutos.
- Hmmmm, deixe-me ver... Aqui está! Seu crachá, senhor... Pode tomar o elevador administrativo e ...
- O resto eu já conheço, muito obrigado.
Visto meu sorriso mais polido, uso um tom de desculpas. Seus olhos se apagam como estivesse perdendo um império. Já ia me retirando mas paro, como quem está em dúvida. Agora é o momento:
- A propósito, você conhece algum lugar interessante onde se pode tomar um bom café?
- Perdão?
Ela pára, atordoada. Completamente confusa.

- Café... – Fiz a mímica de quem leva uma xícara à boca – Sabe onde?
- Ah! O senhor já foi à Cristal? – Sorrindo
- Onde fica? – Blefe completo, sou habitué.
- Na Duque com a Novo Centro. Eles têm daquelas máquinas antigas, o café sai delas com cheiro e gosto de café de verdade.
Ela está se convidando. Ponto a favor demais: ela gosta de café. Ninguém que gosta de café é tão ruim. Após a tensão do primeiro momento, esta suavidade repentina torna as coisas mais fluidas. Agora, o momento que ela já acreditava que nunca viria:
- Hmmm... parece bom, me acompanha?
- Sinto muito, só saio às duas e trinta.
Sorri constrangida, ela realmente sente muito. Parou de me chamar de “senhor”. O sorriso se estreita por um momento, os olhos cintilam, quase uma criança na manhã de Natal.. Alternar crise e suavidade, negar o que o interlocutor deseja e dar reforço positivo quando apresenta o comportamento esperado normalmente funciona. Sua sobrancelha se alteia. Mensagem: “Mas, se estiver por aqui quando eu sair...”
- Então tomaremos café da manhã.
Sugestivo mas sem malícia, ela se encanta com a sutileza. Sorri divertida. Simula receio, somente para manter o jogo por mais alguns instantes e não parecer fácil.
- É contra as regras sair com clientes do hotel.
- Então nos encontramos lá. – Decidi – Às três?
- Hmmm... Está bem. – Sorriso lindo. Ela é encantadora.– O meu é com creme, viu?
- Okay. O meu é mais forte.
Os velhos devem estar passando mal. Antes de chegar, melhor estudar quem se encontra no Sinédrio. Se Dora estiver na sala de recreação, Davi está presente e se ele estiver presente, estou complicado. Tudo bem, terceiro andar, prendo a respiração e caminho devagar, quase na ponta dos pés. Ah, sim! Lá está ela, assistindo televisão e de costas para a porta. Ótimo! Adoro esta menina, mas ela me dá arrepios. Bem, meia-volta quietinho e direto para o elevador.
- Olá Alfie, nem ia me dar um beijo?
Oh não! Mas eu nem respirei, como a maldita bruxa faz isso?
- Seu joelho, anjinho, faz mais barulho que um caminhão! Porquê você não vai a um ortopedista? Eu conheço um bom.
Eu odeio quando ela faz isso. Me sinto tão amador quanto aquela menina da recepção. Ela vem correndo e de um salto, pula em meu colo e me dá beijinhos na bochecha. Adoro quando ela faz isso. Oh-o... bem mais do que deveria. Dora sopesa minha súbita ereção, sorri maliciosamente e diz:
- Ah, anjinho, eu também estava com saudades. – e me sapeca um selinho.
- Dorinha, eu te adoro, mas não faz mais isso, ainda me mata do coração.
- Ou de tesão, né? Como vai Agnes?
- Agnes vai bem, passou no vestibular, fez uma tatuagem e diz que quando se formar vai morar sozinha. Ah! Ela manda beijos, está com saudades.
- A lindinha. He he... Prestou para que?
- Medicina Veterinária.
- Hmmmm... safadinho, querendo cortar seus gastos, hein? Mas até ela se formar, quem vai cuidar de você?
- Gracinha! Vai ver seus enlatados na tevê e deixa eu ser esfolado pelo seu marido e os amiguinhos dele.
- Se não forem eles, quem vai te crucificar vão ser os romanos.
Gelei. Então o safado que me vendera a adaga e saíra falando... ele vai se ver comigo.
- Ôôôa! Ainda nem escapou de uma e já está querendo entrar em outra?
- Eu ODEIO quando você faz isso!!!
- É por isso que eu faço, anjinho. Com os outros não tem graça, eles ficam o tempo todo falando (faz uma careta) “adivinha o que eu estou pensando?”, blargh!
- É, eu sei. Mas não me chama mais de anjinho, tá?
- Tá bom, Demonão Gandão! Melhorou?
- Melhorou, obrigado.
Rimos. Ela é adorável e assustadora. E nem parece que está chegando aos oitenta. Deve dormir em formol.
- Alfieeeee?
- Sim?
- Se falar isso em voz alta, eu te castro! Ah, e cuida desse joelho, não espera tua filha se formar. Ah ah ah.
Como ela faz isso? Nenhum encantamento de bloqueio que conjuro funciona com ela. Ainda bem que ela não conta tudo para o Davi, de outra forma, já estaria morto há muito tempo.
- Alfie?
- O que é, Dora? Eles vão me matar antes de eu chegar na reunião, pô!
- Cuidado com aquela putinha romana.
- Quem?!?
- Elisa...
- !!! Tem certeza?
Um levantar de sobrancelha me faz perceber a besteira que acabei de dizer.
- Ela está procurando especificamente por mim?
- Ainda não deu tempo de reprogramar diretivas. É só uma sonda de prospecção.
Sonda de prospecção ou agente de varredura é alguém que é infiltrado em uma estrutura para coletar fragmentos de informação, mapear conexões e se possível se aprofundar em linhas de conhecimento particularmente apetitosas. Normalmente se encontram semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente com seu controlador (uma espécie de contato com autoridade) em reuniões previamente combinadas para reportarem-se e receberem ordens. Em outrsasEste dado, vindo de Dora, me dava certeza de que seria possível plantar uma valiosa semente de desinformação antes que a inevitável extração venha para ela. Há até a vantagem que seu desaparecimento tornará mais valiosas e verossímeis as bobagens que lhe contar. A pobrezinha, irá morrer por nada. C’est la guerre.
- Ele sabe?
Ela sorri e pisca um olho, como quem diz: “vai lá e impressiona”.
- Te devo uma.
- Hmpf! Pelas minhas contas, você me deve trinta e cinco, sua alma imortal e um poodle.
- Mercenária!
- Também te amo. – e sopra um beijo.
Vamos ao martírio, que venham os leões. Do corredor já ouvia a voz estridente de Ambrose, esbravejando em seu português de Chef francês de desenho animado:
- (...) e non óbstante, perrde son temp flerrrtando co’a mocinha da rrrecépcion. É uma vérrgonha!
Touché. Ambrose vai estar quase tendo um ataque apoplético durante a reunião, estará o tempo todo procurando uma chance de me alfinetar, dirá que sou um “anarrquist”, um “irresponsable” e no fim das contas não vai dar a mínima para o que vou dizer. Ótimo, um a menos. Entro e faço a vênia:
- A água percorre seu ciclo mas sempre volta a Ter com o mar.
- Porque é sempre bom estar-se entre os seus.
Uma vez que é Davi quem responde pela presidência do Sinédrio, talvez não seja tão ruim. Davi, originalmente Carlos Davidovicz, foi o primeiro brasileiro a ser admitido no exclusivo circuito interno da Ordem. Menino-prodígio, sempre foi o mais destacado no Colégio Militar onde passou a infância e a maior parte da adolescência. Todos os instrutores o cotavam para as láureas na Academia de Agulhas Negras, e alguns até anteviam-no na Escola Superior de Guerra. No entanto, frustrando todas as expectativas, ao fim do último período, decidiu-se por ingressar a um seminário. Foi como se houvessem fuzilado todo o corpo docente, dizem até que tamanha decepção apressou a reforma do Major Ferreira, comandante já há trinta anos e mais fervoroso profeta do futuro do rapaz.
O fato é que concluiu, formou-se e apesar de seu desempenho assim o permitir, não foi nomeado orador da turma de formandos nem recebeu menção honrosa em sua colação de grau, teve sua foto retirada da galeria de honra do Colégio e falou-se até que foi obrigado a sair pelo portão de serviço da Escola Preparatória.
Quando chegou em casa, o quadro era desolador. Seu pai dizia-se quase morto de vergonha e desgosto. O sonho do velho Karol sempre fora seguir carreira militar, mas como seu nível social e sua nacionalidade polonesa o impedira de concretizá-lo, como muitos pais àquela época, transferiu seus sonhos a seu primogênito. E este agora o dilacerara.
Dona Lurdinha ao contrário, vibrava de felicidade quando o filho a informara por carta sobre sua decisão. Não que fosse tão pia, mas um filho padre render-lhe-ia uma posição de destaque entre as Filhas de Maria. Lugar este que seu marido perdera definitivamente na confraria de bêbados que se reunia no botequim do seu Germano. Enfim, uma vitória dupla: um filho padre e um marido em casa. No entanto a ela também estaria reservada uma generosa cota de aflição. Ao seminário de Botucatu fora mandado o jovem Davidovicz por seu pai, “para ficar o mais longe possível de seus olhos enquanto não amargasse o desagravo”, como confidenciou o pai com seus amigos remanescentes do seu Germano.
O rapaz, como seria de se supor, caiu como uma benção do próprio Altíssimo naquele celeiro de homens bons mas não muito perspicazes. O rapaz destacou-se no grego, latim, filosofia, hermenêutica, e todas as disciplinas consideradas mais difíceis pelos colegas. Nas mais fáceis, os professores usavam suas avaliações como gabarito para corrigir as demais. Rapidamente recebeu o epíteto de Tomás de Botucatu e todos com muita admiração não sem uma ponta de inveja o chamavam assim. O que lhe seria decisivo é que nessa época, nos ombros do jovem brilhante fixou-se o olhar cobiçoso da Ordem de Iscariote, na forma de um nosso infiltrado.
Por aqueles dias, encontrava-se por lá um homem de alma profundamente aguda, um dos maiores teóricos de nossa ordem e que a custo de muita influência da própria Grande Serpente, evadira-se a uma investigação em que fora envolvido em Córdoba. Este homem, de nome Diego Velasquez, fora acusado de cometer e propagar heresias, ser adepto de desvios sexuais vários e alguns crimes particularmente hediondos. Diga-se de passagem que todas as acusações eram verdadeiras e todas as transgressões foram cometidas no coração de um tradicional reduto romano (como em nossos círculos é pejorativamente conhecida a Santa Sé em geral e seus braços seculares em particular, tanto ostensivos como ocultos). Bem, nosso homem vislumbrou no rapaz todos as virtudes e vícios que compõem um grande homem da antiga Ordo Iscarioti, e resolveu trazê-lo para nosso deleite e tormento. Velasquez era um homem fascinante não só para os noviços, de forma que em pouco tempo eram próximos. Próximos demais. A direção local, que desconhecia o histórico do Espanhol, via com muito bons olhos esta associação, acreditavam que ao potencial do jovem seria acrescido a carga de experiência do quase ancião.
Em menos de três anos, o jovem estava anos-luz à frente dos outros e já era uma serpente adulta, bem treinada e extremamente perigosa. Levando-se em conta que era um conjurador de grande talento, era uma questão de tempo para que superasse seu mestre. E, o inevitável aconteceu em uma noite muito escura de um outono perdido. Quando se dirigias a uma de suas habituais visitas na hora morta à cela do já então conhecido como Davi, Velasquez o encontrou como que conspirando com uma criatura que seria inequi
- Tome assento, mestre Alfredo. Nosso Sinédrio, temo, será longo.

TENEBRAS - Capítulo I

CAPÍTULO I

Eu respiro fundo e penso no que estou prestes a fazer. Confiro meus itens cerimoniais e me pergunto se terei oportunidade de fazer exatamente o que devo. Um coro chama pelo condenado. Mentalmente reviso todas as palavras que serão necessárias hoje. A armadilha deve ser perfeita ou não haverá uma segunda chance.
A Ordem providenciou um belo séquito de auxiliares. Claro que eles pretendem muito mais que me assessorar com esta gentileza, eles acreditam que vão usurpar meu espólio. Nada de mais, mesmo que eu estivesse sozinho, duas Iniciadas, três acólitas, uma postulante e um bando de neófitas cheirando ainda a pequenas orgias com suas turmas da faculdade. Eu deveria me sentir ultrajado, mas dadas as condições, quanto pior, melhor. O que estou fazendo já é perigoso sem ter espiões talentosos por perto; aliás, perigoso é apelido.
Meus projetos adquiriram velocidade quando, em um golpe inacreditável de sorte, caiu-me em mãos um volume já antigo de procedência hispânica. O livro até que não era ruim, mas o mais importante era uma crônica estranha (possivelmente inspirada no leitmotiv de Goethe) sobre um homem ganancioso que escravizara um demônio valendo-se de um ritual bastante interessante. Bem, imediatamente reconheci o ritual como sendo de Cagliostro. Este sim era um verdadeiro achado! O cronista escrevera ficção possível bem ao estilo de Lovecraft e ainda usara invocações verdadeiras! As fórmulas lidam com os mais altos círculos dos caídos de uma maneira que dispersaria toda eventual retaliação (os Caídos são muito vingativos, como você bem sabe), bastaria que providenciasse uma pequena vítima que me doasse sua bílis (o livro recomendava uma prostituta, mas tenho classe, foi uma modelo de Quinta; quase dá no mesmo... quase).
Daí para frente foi mais uma questão de elaborar alguns sistemas de defesa no rito original, encontrar os artefatos adequados selecionar a criatura adequada. Claro que meus preparativos não passaram despercebidos de meus priores na Ordem. Fui convocado para partilhar minhas atividades. Naturalmente não entrei nos detalhes mais importantes, mas mesmo aqueles de inteligência escassa perceberam a vantagem de se ter sob controle algo deste porte. Não poderia ter escolhido melhor... Anathmik é um dos tenentes do próprio Samiaza, e encontra-se circulando por aí desde a Suméria (é, aquela dos livros de História); entre os séculos XIII e XVIII, divertiu-se um bocado em muitos conventos de França e Alemanha. Que conste que na classificação de Theodorus de Provence, famoso cronista e demonologista dominicano, ocupa o nível oito... detalhe: a escala vai até doze.
As assistentes já se revezam para cobrir a longa vigília que temos pela frente. Algumas que estão em repouso cochicham assustadas. Acho que nenhuma delas pensou em ir tão longe em sua dedicação à ars magica e provavelmente nunca mais irão, as pobrezinhas... A mais velha delas me acena pedindo para me falar em particular. Farejo seu medo.
- Senhor, já estamos exaustas. Tanto tempo de jejum e atividade vai matar minhas pupilas. Será que ele vem? Não é melhor adiarmos a enfrentarmos uma criatura dessas debilitadas? E ademais, Agnes...
- Agnes é problema meu! Ela está pronta e vocês também, se não fizermos hoje, não funcionará mais com esta entidade, e não vou perder um demônio classe oito porque vocês estão com sono.
- Mas senhor...
- Sóror Verônica, se não quiserem ficar podem ir. Eu faço meu trabalho sozinho. Frater Eustáquio é um homem razoável e vai entender.
A menção a seu desprezível superior fez a sólida ruiva de curvas generosas e olhos duros vacilar, eu podia ouvir as engrenagens ágeis do condicionamento da Iniciada trabalhando: “(...) a meu superior e a meu senhor e a quem meu mestre designar como comandante serei de inteira lealdade, não medindo esforços para adiantar-me a suas necessidades, satisfazendo-as mesmo que a custo de minha alma imortal.” E Adab, a memória persistente varreu suas dúvidas e o medo de sua mente, deixando apenas a muda certeza de que nada no mundo fa-las-ia saírem com vida daquela chácara alugada a um pequeno proprietário, pagas em espécie e sem contrato.
- A meu senhor serei fiel com todo o meu corpo, com todo o meu coração e com toda a minha alma.
Era a resposta ritual a um chamamento de auto sacrifício. Então nossa freirinha desviada era mais inteligente do que presumi. Lastimei o que a ela estaria reservado. Respondi com a solenidade de que ela precisava neste momento de compreensão.
- Assim o dragão mais apto abre seu peito de sustenta com seu coração aos que dele necessitam, salvando, desta forma, o ninho.
Era a confirmação que ela temia mas também a última homenagem ou continência a um soldado que é destacado a uma missão suicida. Seus joelhos vacilaram por um instante, seus rosto transpareceu todo o cansaço e tristeza de uma vida cheia de tribulações e de ambições, eu podia ver em seus olhos que tudo ia sendo tragado em um vórtice, dando lugar à determinação que era seu verdadeiro estofo.
- Adeus, Alfie. Te vejo de novo no Tártaro.
- Adeus, Verinha. Queime e chore mas não grite.
Súbito todos os nervos de meu jardim espinal alertam “proximidade”. O sedutor está próximo. Rapidamente conjuro um feitiço sobre mim e uma máscara recobre minha aura, dando-lhe a aparência de uma mulher.
- Oh grande Anathmik, ouça nosso chamado e receba nosso sacrifício. Esteja conosco e ceifa tua refeição. – Quem será que escreve estes cânticos? São sempre tão ridículos.
Quando o cheiro da virgem especialmente preparada para ele torna-se forte demais para ignorar, ele está entre nós e o ar almiscarado cristaliza uma atmosfera ao redor de seu corpo torneado. Uma das mulheres do coro desmaia... Inferno! Não é tão grande assim... é só colossal. Não é grande coisa, só quarenta ou cinquenta centímetros de carne demoníaca dura como madeira e um par de acessórios aberrantemente grandes. Okay... é grande coisa sim, e ele está extremamente excitado. Se ele não estiver bem focado pela preparação mágicka exaustiva a que nossa garotinha-isca foi submetida, estamos todos perdidos, e acredite em mim, ser violado até a morte por um íncubo não está em meus planos pelos próximos dois milênios. Não é uma morte nada bonita: todos aqueles rasgos e cortes e perda de sangue e as fraturas e concussões e mordidas fazem a Gestapo parecer um bando de pestinhas de jardim da infância. Hmmm... agora eu devo me manter focado, meus pensamentos não podem me trair, ele deve pensar que este é só um Sabá, um bando de moças respeitáveis que quer alguma diversão sexual com o sobrenatural.
O demônio estava adorando tudo aquilo, a raiz forte e o gengibre o deixavam louco, ele rosnava e salivava e sua ereção latejava. Ele a olhou como se fosse a primeira vez que um caído via uma humana.
Nossa pequena isca fora preparada em um ritual que tomara todas as noites de uma lua nova (tal e qual descrevera Cagliostro), fora açoitada em seus genitais de forma a deixá-los mais sensíveis; fora imersa e banhada com mel, rosas e vinho com beladona; dançara sob o efeito de ervas incomuns ministradas em uma beberagem olorosa de anis e hidromel. A parte mais difícil foi convencê-la a deixar-se sodomizar por uma sacerdotisa munida do bastão de hematita que (assim assegura o manuscrito) se confeccionado estritamente do modo como é descrito, impede que o sedutor tenha olhos de ganância e escolha mais uma vítima para o sacrifício.
Ele a toca como se pudesse parti-la (e bem sei que poderia), nos olha de soslaio, desconfiado e súbito fixa o olhar penetrante em mim. Percebo através da audição que a surpresa me calou e mais que depressa, retomo a litania do rito. Nem ele poderia romper o véu do encantamento e me ver em minha forma verdadeira, nem ele poderia! Mas não, só estaria pensando em quem pegaria após a imolação. Vai sonhando, monstrão, vai sonhando... Ele já não agüenta mais, sorve a pasta com que fora untado o corpo de Agnes e poder-se-ia até dizer que estalava a língua, satisfeito. Antes que nos acostumássemos com sua presença, acercou-se da pequena, encostou sua glande descomunal em sua vulva e de um só fôlego, arremeteu-se para dentro com tal intensidade que esta (mesmo dopada) respondeu com um gutural medonho, compassando e repetindo a cada nova invasão – ele não estava para brincadeiras. O suplício durou horas, eu já perdera a noção exata do tempo. A pobre Agnes, depois de algum tempo e passado o efeito das sedativos, não mais gritava, alternava momentos de apatia nos braços da abominação que se agitava por sobre ela e sobre o altar já ensanguentado (alheia a tudo, quase que vendo sua realidade em terceira pessoa) , com momentos em que seu olhar ia e vinha, suplicante, parando ora aqui, ora ali, ora me procurava, seus punhos se crispavam e seu olhar voltava a fitar o vazio. Isto foi antes do orgasmo – se é que assim pode ser chamado aquele amplexo bestial que reverberava quase que como uma sirene de alarme antiaéreo. A jovem começou primeiro. Era assustador. Ela se contorcia em pânico (Claro que ela sabia que os espasmos e contrações iriam dilacerar o que restava de seus órgãos internos e a hemorragia completaria o trabalho de tirar a vida daquele corpinho frágil. Claro que ela sabia, sempre soube.). O sedutor começou a dar sinais de que também gozaria, de forma que minha camuflagem já era desnecessária, teria pelo menos alguns minutos de alheamento do incubo, e nestes preciosos minutos e só neles, eu iria recitar o encantamento que, uma vez completado, o colocaria totalmente a meu serviço. Rapidamente, retirei de sob meu hábito marrom uma lâmina de ferro negro, uma pequena relíquia incrustada de ônix e coberta de caracteres indecifráveis. Entoando meu perigoso encantamento, rompi o círculo de proteção que os isolava do mundo exterior (e de nós) e, pé ante pé, me aproximei da massa orgástica e obscena que se contorcia no altar. Segurei seus testículos monstruosos e com um movimento firme e preciso, seccionei-os na base da bolsa escrotal.
Parecia que haviam ateado fogo ao mundo, o urro da criatura quase me fez largar tudo e fugir (as sacerdotisas tentaram fazê-lo e o teriam conseguido se eu não houvesse previamente lacrado todas as saídas), mas eu tinha de ser rápido. O íncubo castrado caíra desacordado a meus pés. Recitei apressadamente uma série de versos retirados da Clavicula Salominis e alterados por Cagliostro para esta finalidade específica e, quando a criatura se levantou, o furioso demônio era uma belíssima súcubo que, ato contínuo, prostrou-se-me aos pés e disse:
- Sou Anathelle e sirvo ao senhor de meus testículos. Ordene e será.
- Anathelle...hmmm. Não acha que temos testemunhas demais aqui? Providencie para que elas estejam mais mortas que a pobre Agnes.
- Assim será, meu senhor.
Será que vi um lampejo de sagacidade nos olhos dela? Não sei bem, mas quando abandonávamos aquele lugar, congratulei-me por ser o único possuidor vivo de um escravo tão poderoso. Com ele poderia dominar um país ou, talvez, uma ordem iniciática.


Epílogo

Chamada de um jornal local:
“A polícia fez uma descoberta macabra neste fim de semana em uma chácara da região: dezenove mulheres entre vinte e dois e quarenta e cinco anos foram horrivelmente mutiladas e mortas. Há apenas uma sobrevivente do que parece ser a pior chacina que já aconteceu em Pontal: uma garota de dezoito anos aparentes e que foi barbaramente violentada encontra-se no CTI do Hospital Santa Úrsula. Os Investigadores dizem haver evidências que apontem para um ritual de magia negra. Mais detalhes no jornal regional.


(Comecei este romance há uns oito anos... os esforços de pesquisa se tornaram tão volumosos que tive de interrompê-lo para não prejudicar meus estudos. O manuscrito permanece inacabado até o momento. C.R.S.)

A RATOEIRA (história em quadrinhos)















(c) 2008, Chrystian R. Silva. Reprodução para fins de divulgação autorizada desde que referenciada a autoria.

Innominata II

Peasants!
Step out
This holly ground

Avoid Exhaling in
This pure Melting air

It’s not
For you to hear

The songs
Of hidden
Spheres

Innominata

Make me a believer
Make me an acolyte
Build palaces of our own
In a wave of your hand

And I’ll follow you

But if you can’t
Hold me on
And sing with me.

We’ll Sing the songs of sorrow
We’ll Sing forgotten lores
Our songs will control
Turning tides of time
Let’s take part
In ancient secrets
Let’s partake and
Scream trough the night

Melting Point

Choking heat
Trembling in
Frozen prey

Staring at
Tiger’s eye
On me
Hypnotized

Thy jeans
Are wet
I smell sex
In the air

Horny prey
I’ve got a hard on
Come closer ‘n
Touch me

I’m real

Much more
I think
Than thy
Poor tiny
Husband
I’m real

Let yourself
Step outside

Sweat and pain
Not in vain
Everything is
Rage and lust

Wet and hot
Confused ant lost
Come closer
Little one
So I
Can bite

It’s warm inside

She Came

Soft as a leave
She came
Demanding my soul
She came
Devilishly hot
She came
Could I resist?
She came

Perfume skin
She came
Innocent eyes
She came
Fiery dust surrounding her
She came

Angel or demon or dryad
Heat over heat
Upon me
She came

I’ve shut my eyes
She pulled my hands
On her

Victorious child
Gave me no choice
Left me no way to escape

She-wolf
You sleep
So beautifully

Shaman


Shinning
Devil’s armor
Covered me
A shadow of a
Shadow

Sinner
Summer
Sundown

Silver
Sails on
Sea

Swimming
On stars
Bark at the
Moonlight

Midnight
Naked
Dancing

Wake up!
It’s just a
Crazy dream

Succubus

In a dead day
For magick
She came

Redden eye
Glowing
Wisdom & malice
She’s mine

Is she mine?

I did not
Resist
Don’t even
Wanted to

Surrounded by her
Released myself.
And drifting my
Soul became
Older

I wondered not why
And as my wraith
passed by
I knew

I’ll never
Be the same

Martyrdom of a sinner

Living this way is suicide
No news today, boy...
Nowadays
Living anyway is
Slow death

You just have to choose

When
Where
Why

Or wait for the next time

O dia em que o Mundo acabou

Aceite os fatos, mon ami, o mundo acabou...estamos todos aqui, vestidos com camisola azul – calcinha e boiando no meio do nada, feito peixinhos de aquário, enquanto as migalhinhas da Terra estão por aí. Falando em “por aí”, olha só quanta gente! Olha lá o seu chefe...hoje ele não vai te encher por causa do seu atraso ou pela barba por fazer – eh! eh! – com aquela saia de anjinho ele já está parecendo um botijão de gás. Espera lá, cadê a sua mulher? Procura daqui... Procura dali e você esbarra com o Juca , lembra dele? Pois é, ele continua o mesmo, desde quando ele...morreu!?! Ah, é! Todos aqui estão, até você. Hmmm! Se o Juca está por aqui, então a Marcinha do 604 também; isto é muito interessante...muito, muito interessante. Ih, olha lá a sua esposa de prosa com o falecido. Será que até aqui ele vai te atrapalhar? “O falecido isto, o falecido aquilo” Ou então a clássica: “Ah se fosse no tempo do falecido...” Melhor deixá-los conversando. Será que aqui em cima existe divórcio?
Mas tudo bem, “dá nada não”( como diz a gurizada por aí), aproveite, pegue a sua lira, seu par de asinhas e a auréola e vem comigo. Tirando o fato de estar morto, não é tão ruim estar morto, não é mesmo? Você já estava ficando entediado quando ouve um batuque bastante familiar... um monte de cidadãos afro-brasileiros (antigamente falava-se “negões” com a boca cheia, mas isso foi antes de acharem que negrão é palavrão) atacando um pagodinho, algumas “arianinhas” (viu como soa estranho?) requebrando-se e uma legião de anjinhos com rebolado de gringo acompanhando o ritmo, tudo numa “nice”, como falava-se nos bons velhos tempos. Legal! Tem até caipirinha, mas como aqui é o paraíso, ela é sem álcool (Bleargh!!!), nem tudo é perfeito.
Você come feijoada sem medo da gordura ou do colesterol, afinal, você já foi desta para melhor ( e bota melhor nisso), tirou uma soneca em uma nuvem – que por sinal, são bem melhores que as redes – e teve uma anja – com pinta de atriz pornô – que já andou te dando umas piscadas. Em resumo, não era o Brasil que era um Paraíso, o Paraíso que é um Brasil, só que melhorado, onde se pode conjugar o verbo vagabundear com letras garrafais, e sem constrangimento algum. É tipo um ISO 9002 em vadiagem. Tem um detalhe que não se parece com o Brasil... De repente um sujeito vestido de vermelho e com chifres sai de trás de uma nuvem, te aponta um tridente e diz: “Aê, mermão, vai passando as asinha e a auréola senão te furo!!!” Pronto! Igualzinho ao Brasil

O Logos

A mim, uma noite finalmente se apresentou. Sua voz - e a seu primeiro ressoar, vi-me eternamente enamorado – era o ribombar de muitas águas. Poder-me-ia perder em seus olhos, para nunca mais ser encontrado entre os homens. Uma paz infinita se abateu sobre mim pois o dique rompeu, e um turbilhão de sentimentos há muito esquecidos, violentamente, suavemente inundaram-me. Às vezes me pergunto se é esta a serenidade que sobrevém ao agonizante em seu momento derradeiro sobre a face deste mundo, de qualquer mundo.
Subitamente, como o rapinante que em um momento de angústia voraz, um átimo de agonia infinda, paira e logo mergulha rumo à presa, tocou-me. Ao mortal toque de sua nudez cálida, todos as paralelas se encontraram, ali estava o infinito, descrevendo suas elipses, projetando-se em seus raios. E lá estava eu... face a face com o Sagrado. Todas as sínteses se efetuaram. Nelas, eu flutuava, como um afogado, como um corpo celeste, languidamente voltando-me ao Sol Central.
Oh, Amor maior, amor voraz, que a tudo devora... como pude sobreviver ao contato com o Princípio de tudo que existe e não ser tragado em seu seio, incinerando, assim, minhas vestes emprestadas? Não sei, e eis um mistério - o pranto doce escorre-me pelo rosto quando me recordo: Porquê não me fui naquele momento? Poder-me-ia ter ido, posto que “meu” ser não mais me pertencia, era apenas uma sua parte que retornava. Porquê não fui naquele momento?
Naquele instante breve, em eternidade transmutado, foi-me permitido contemplar a luz ilimitada. Não obstante, retornei incólume às praias da existência. Incólume, disse? Jamais serei o mesmo...
Que assim seja


(micrônica muito antiga... morro de vergonha dela, mas ainda assim, está aí...)

Ending Worlds

“That animal species and primitive cultures joyful amnesia was abolished.”
C. Andler

I felt enlarging frontiers of vision imploding my deepest walls. At this archetypal moment, all my senses failed. Expanding like a nova digesting time and space. I was no longer one but thousands legions screaming in pain, in pleasure. Anguishless, I reached the final vision.
I saw men throwing death from weapons on their brothers tents. Raining a deadly rain just before dawn. I saw nature revolve in sky and fall down agonizing horrified by whom steal a divine sword and cut out uncountable innocents. I heard millions cries for mercy unattended by angel faced demons raping life holiness.
A council with black and white traditions the very first in several ages added efforts on banishing the flames of Gehenna. But while starvation and diseases covers kingdoms, tyrants play dice and jewel covered whores dances to admirals. I could not hear but smell a mortal silence whose texture wears Earth when upon wanton children of lust manifests her will and pays back their deeds.
I smile when I think of what was given to know. Oh, Glory! Blessed was I for seeing new heroes and new myths. A whole universe lives inside these mortal shapes therefore new gods shall slowly crawl out ruined human civilization.
And once more seeds will die and grow into a new sort of garden. Forever.

Love

Just like a
Flame
Like a nova
We gonna
Shine

A flash
In the silent
Face of
Eternity

When will it end?
Who knows?
Who cares?
Not me

Let´s live
And hope it
Lives on

À deriva

Prosa
Prosaico
PROZAC ©

A leste do Éden

Está chovendo aqui, a leste do Éden, e as exiladas criaturinhas de Deus em silêncio se aninham umas nos braços das outras e mutuamente se consolam. Está frio aqui, a leste do Éden, e as rebeldes criaturinhas de Deus usam seu calor, mutuamente cedido, emprestado, consentido, para aquecerem umas às outras. Leste do Éden é um lugar solitário para se viver, mesmo quando não se está só, mas quando se está, é o ermo, o esquecimento.
Exiladas entre os exilados, algumas sofridas e felizes criaturinhas de Deus há, que perscrutam a multidão procurando o rosto e os braços a que foram destinados desde o nascimento (ou antes). Muitas delas não o conseguirão a princípio e desistirão. Outras tantas encontrarão e não saberão reconhecer, levando assim, uma vida frustrada, sem saber que chegaram perto da felicidade plena, e miseravelmente falharam em identificá-la. Há aquelas que perder-se-ão pelo caminho, seduzidas por paraísos diversos (e fugazes), não podendo e não querendo mais retornar à busca.
No entanto existe sempre a abençoada possibilidade de recuperar sua outra metade e poder retornar à terra de origem, pois não existe destino pior que ser sozinho a leste do Éden.

Chuva sobre a Terra...

“Olhai os lírios no campo...”
Jesus Cristo


Ontem à noite choveu. Não choveu grosso, não choveu forte, simplesmente choveu. E de manhã, no ponto de ônibus, quando ia ao trabalho, as pessoas reclamavam como sempre, da vida, do custo de vida e da pornografia na tevê.
Uma senhora já de idade lembrou-se da chuva e reclamou da roupa quase seca que “dormira no varal”. Uma mocinha ruiva falou de seus tênis branquinhos (recém-lavados, frisou) que agora estavam sujos de barro. Um rapaz acrescentou que não gostava de usar blusa, mas com “este friozinho de chuva” tivera de vesti-la...Meu vizinho, coitado, que trabalha em um lava a jato ainda não se decidira, por um lado, virão mais carros, mas por outro, toda aquela água fria: “Brrrrrrrrr...” Quando o ônibus chegou todos se entreolharam e, em consenso criticaram “aquelas rodas enlameadas que emporcalhavam o asfalto”. A porta foi-se abrindo e o motorista olhava com cara feia os sapatos dos passageiros que, apesar da serragem, iriam sujar o piso.
Chegando a meu destino, ainda meio sonolento, passei pelo pequeno jardim que ladeia meu caminho matinal. E o jardineiro de sempre, iletrado e mal-pago, me olhou e esfregando as mãos sujas de terra e geladas, abriu um sorriso e disse: “ Ontem à noite choveu! Minhas plantinhas vão crescer fortes!”

Sphynx

Decifro-te.
Devoro-te.
Traduzo-te
Em minha língua:
Versos livres em
Curvas perigosas.
Minha língua
Conjuga
A tua.
Verto-te,
Componho-te;
Poema,
Mulher-poema,
Mulher.

O Salmão

Ah! Vem
Verte teu bálsamo
E canta-me
Uma canção
Que me cure o corpo
E diga à alma
Como é bom estar
Voltando
Ao lar
Voltando
A teus
Braços
Inefáveis

Beladona

Loura luz do fogo
Quente ao toque
Perigosa ao toque
Irresistível ao toque
Toco-te e
Tocando
Escravizo-me

Vem

Vence

Toma-me
Doma-me
Sou teu

Outro
Eu

Os amantes de Maria

O primeiro me queria virgem
Até o casamento
Casa
Filhos
Nora
Pantufas
Almoço no domingo

O segundo queria uma mãe
Casa
Cozinha
Vassoura
Avental
Colher de pau

O terceiro queria só o meu corpo
Exclusivamente
Quente
Delirante
Ardente
Safada
Muito, muito safada

O quarto o quinto, foram vários
Cada um queria uma coisa
Cada um queria várias coisas
De mim de toda mulher que há em mim
Uma protetora,
Uma dominadora,
Uma escrava.

Aceitei a todos
Rejeitei a todos
Mas nenhum, nenhum soube querer
Sequer entender
O que eu queria

Todos queriam
Uma santa
Uma puta
Uma empregada
Uma estrela
Uma degenerada

Nenhum, nenhum soube querer
Que eu fosse o que queria ser
Seja lá o que isso fosse!