terça-feira, 10 de maio de 2011

Drakkar Noir I - O Homem de Olhos Tristonhos





I - O homem de olhos tristonhos *
por chrystian r. silva (urso malvado)
1 2/23/2005 4:59 AM
Que lugar é esse? Eu me pergunto como vim parar aqui... num momento eu estava... onde eu estava, afinal? Bem, e no momento seguinte estou aqui... que não sei bem onde é. Estas pessoas... estas pessoas me parecem vagamente familiares. Elas se movimentam e riem seus risos embriagados sempre nas bordas da percepção... elas entram e saem da visão como em um sonho. Contornos imprecisos, imagem borrada e sem coerência. Estou morto? Estou bêbado? Há música. Música indefinida, como duas faixas tocando ao mesmo tempo. É um bar. Um bar enfumaçado... escuro... focos baixos de luz aqui e ali nos corredores entre as mesas. Uma atmosfera vagamente decadente, mas inegavelmente charmosa. Um balcão... uma cela, uma ilha de luz naquela escuridão... talvez o último lugar no mundo onde ainda exista luz. À parte de todas as considerações filosóficas, resta o fato de que isto é um bar e... bem... agora só falta vodka para eu estar em casa.
Dirijo-me ao balcão. Ninguém parece ter feito muito caso de minha chegada repentina... será que todos chegaram assim por aqui? O bartender tem olhos que inspiram certa cautela. Sua figura corpulenta e barbuda, metida num “dinner jacket” lembra Hemingway... Ele soa algo alienígena e, paradoxo completo, incrivelmente apropriado a este ambiente.
- Boa noite. Ele sorri discretamente.
- Você tem Vodka tridestilada? Pergunto ignorando sua polidez
- Qual?
- Qualquer uma em dose tripla.
Raiska... já bebi piores...
*    Nome de uma obra de Mestre Ticiano (N. do A.).







- Deixa a garrafa, chefe.
- Olha, eu não quero ter de carregar ninguém...
- Se eu não conseguir me equilibrar, eu vou de gatinhas.
Ele sorri... acho que ele já deve ter visto um milhão como eu... Claro que é um chavão! Um homem sentindo-se mal por causa de uma mulher e procurando esquecimento no fundo de uma garrafa é a segunda história mais antiga na face da Terra. Mas o tal homem conseguir esquecer toda a sua vida e ainda assim saber que está mal por uma mulher...isto sim, é novo, pelo menos para mim.
Antes da terceira dose o Jukebox começa uma das antigas "Make someone happy" Dinah Washington... meio sem saber porque, começo a chorar... não copiosamente como se a Gestapo tivesse me pego, mas discretamente como é de bom tom que todo marmanjo barbado faça... como se o olho estivesse lotado de ciscos e farpas e brasas... Nós, meninos, somos assim.
O barman se aproxima e pergunta se está tudo bem. Para encurtar a história eu digo que a vodka está particularmente comovente. Ele sorri e traz um cinzeiro para eu aparar as cinzas do meu segundo cigarro de filtro vermelho que estou derrubando sobre seu chão tão bonito... Paro e penso em... em... em quem, afinal? Existe um vácuo em minha história, em minha memória... não há nenhum nome, nenhum evento, nenhuma data, lugar... nada... mas ainda assim... a dor continua.


2 2/23/2005 5:01 AM
*Plec!*
- Ei, Rapaz... você está bem?
- Como?
- Você está bem? Vai ao banheiro e lava esta mão.
- Que mã...?!?

Minha mão está cortada e coberta de sangue com os cacos do copo que quebrei... será que isto é um sonho? Lavo as mãos e procuro no bolso da parka por algo para estancar o sangue. tiro de lá um papel manuscrito... minha letra?

"PURGATÓRIO

Chrystian R. Silva

Eu tive frio.
Tive medo.
Estava escuro e você não estava comigo.
Eu estava sozinho... eu estava faminto de você... sem você... por você
Então gritei e meu grito não fez eco...
Chorei e minhas lágrimas encontraram solo infértil.
Uma sombra entre homens, minha presença não era notada...
Uma sombra entre homens, meus passos não produziam som.
Eu pedi pela morte e a morte se recusou a me tomar.
Pedi por sono profundo, generoso, e este escarneceu de mim...
Clamei pelos Deuses.
Supliquei aos Deuses.
Amaldiçoei aos Deuses.
Abandonei os Deuses que me houveram abandonado.
Um cão entre homens, te segui...
Um cão entre homens, fui escorraçado.
Escarnecido.
Acossado.
Exposto.
Fugi... e como o vento, o sofrimento me seguiu.
Mas este mesmo vento me conta seus segredos.
Eu sei, sem saber, que meu tempo de lágrimas está acabando.
E sei, sem saber, o que tenho, onde me encontro é onde você vai estar... e você vai implorar para ter a mesma medida
de sofrimento que eu tive, porque tua carga é maior. Vai suplicar e se humilhar como eu, e como eu, terá sido em vão.
Mas, quando você for abandonada lambendo suas feridas, cadela entre homens, terei para com você, para sua eterna vergonha, a misericórdia que me recusou."

Se é uma poesia é muito ruim, e se é minha, sou um péssimo escritor. Chrystian R. Silva... Será que sou eu?
Noto, no espelho, que uso "dogtags" no pescoço... vejamos... Silva, Chrystian R. Então o mau poeta sou eu... bem, já sei algumas coisas... meu nome, meu tipo sangüíneo... RG, CPF, e Oh... eu sou hipertenso... nesta altura do porre de destilado é que eu descubro.

3 2/23/2005 5:06 AM
Subitamente meus ouvidos começam a zunir... Merda! Hipertenso deveria andar com um adesivo na testa: "Proibida a ingestão de álcool"... Agora lá se vão as luzes. Sonhei... suponho. Eu estou me esgueirando por um corredor de mármore muito escuro. O corredor  está iluminado apenas por candelabros de latão com luzes elétricas e aqui e ali havia portas de madeira maciça e trabalhada em estilo gótico (bem, eu adoro este tipo de trabalhado). me detive em uma das portas e auscultei-a... nenhum som. Testo a maçaneta... está aberta. Entro pé ante pé... pouca luz... vinda de um abajur na mesa de cabeceira ao lado da cama... uma ENORME cama em estilo nórdico... grande e forte o bastante para um casal de rinocerontes copularem. É linda. Bem no centro da cama está uma mulher que, de imediato, reconheço como você (quem é você?) deitada de bruços com uma perna puxada para o lado... coberta pelo mais impecável cetim branco que já vi. tipo "omo lava mais branco" as paredes estão forradas com veludo azul de forma que até mesmo aporta se perde em suas dobras. Aproximo-me, subo na cama de pé(!) e tão logo estou ao teu lado, debruço-me e começo a farejar (é, como um animal) e enquanto isso, tua respiração torna-se cada vez mais ofegante. Delicadamente puxo teus lençóis e vejo que você usa uma camisola semitransparente azul (ai ai, a camisola azul... de onde eu a conheço?) e uma tanguinha também azul mas bem menos transparente. Estou já à esta altura com meu membro inchado e latejante... o cheiro da tua já presente lubrificação está me deixando enlouquecido de tesão. E você, escorrendo pelas coxas, com a respiração entrecortada parece estar acordada... das dobras de minha roupa tiro uma faca de trincheira (aquelas facas militares... tenho uma destas, eu acho, mas esta era diferente, é mais grossa e a serra no lado cego poderia cortar a fuselagem de um avião), puxo o cós da tua camisola e começo a cortá-lo... o tecido cede ao fio como manteiga... logo chego à gola e a secciono, deixando as tuas costas expostas... Deixo de lado a faca e me debruço

4 2/23/2005 5:08 AM
sobre você... com a ponta da língua úmida e pasme, áspera (!) eu brinco com teu lóbulo...você geme baixo e mexe nos cabelos, expondo a nuca... dirijo minha língua fervente até o local das inserções musculares da nuca e mordisco de leve... você quase acorda e eu interrompo para manter você dormindo... quando tua respiração fica um pouco mais ritmada, recomeço, descendo minha língua pela linha da tua coluna, circulando em espirais irregulares as espáduas, as ancas, o lombo... gradualmente e com uma mão arando de leve os dedos ora pela nuca, ora pela protuberância livre do ilíaco, massageando como se estivesse masturbando... Quando minha língua se detém no cós da calcinha, mordo-o e pego a faca, cortando sua tirinha lateral em ambos os lados, solto a lâmina longe na cama e, de quatro como um cão, puxo-a com os dentes, em pequenos trancos... você... você gemia baixo ... a calcinha cede e, para minha surpresa, você escorre pelas coxas, suada e quente como uma potranca no seu primeiro dia de cio... eu já enxergo pouca coisa além da tua anca... estou hipnotizado... Sem o menor pudor ou medo, lanço-me à tua umidade com a boca, com a língua, segurando pelas pontas no ilíaco. Como adoro isso. Parece que estou sedento e bebo profundamente de um líquido muito bom... você ainda está dormindo quando os seus músculos internos começaram a pulsar, denunciando a chegada do orgasmo... eu encaixo meu membro, quase dolorido de tão teso, entre as coxas e a porta do seu sexo, e com movimentos vigorosos, ajudo a chegada de um orgasmo-monstro...você grita abafado no travesseiro. Seu grito gutural...parecia um rugido, entrecortado de uma série de obscenidades e blasfêmias... e ordena... "me come, seu ladrão ordinário, me come seu filho da puta!" e como uma ordem divina, obedeci. Ergo pelo ilíaco e penetro fundo com a facilidade da tua lubrificação jorrando a ponto de parecer que está urinando... e você urra e geme e

5 2/23/2005 5:09 AM
grita... e aperta os lençóis a ponto de rasgá-los... soco vigorosamente, quando você se aproxima de mais um orgasmo... seus músculos se contraem a ponto de parecer que vão me arrancar a parte... e nesta tempestade, aproximo-me do meu orgasmo... você goza como uma loba, como uma deusa... e sibila, e grita, e geme, e xinga e quando está semi-largada, intensifico meu ritmo, anunciando o que estava para vir, Você ordena com voz gutural... "traz ele para cá!"... obedeço e você o abocanha com voracidade e carinho... parece mamar com fome, com urgência e, quando estava começando, disse: "aqui!" apontando os seios com os mamilos mais duros que eu já vi... as auréolas contraídas e arrepiadas pelo tesão.... Coloco-o entre os seios, movimento com cuidado para não deflagrar o orgasmo... não antes de curti-los o quanto puder. Você abre a boca e, com a língua, deixa que a cada estocada ele seja umedecido mais ainda pela sua saliva... saliva doce... então afasto-me um pouco, toco os mamilos com a glande e, segurando a sua mão à volta dele, executamos os movimentos finais para um orgasmo tamanho deus... tamanho eternidade... Acho que vou morrer! Oh, Deus! O que ela faz com suas mãos! Oh, Senhor! Me estraçalha nas mãos do Teu anjo, Senhor! Me consome na Tua fúria. Que ela se abata sobre mim e me deixe sem sentidos... segundos... séculos... para sempre. As trevas quentes e úmidas se me engolem.
Você está deitada ao meu lado, dorme docemente com os dedos entrelaçados nos pelos de meu peito. Uma leve fragrância de canela inunda o ar... há velas acesas por todo o lugar. As cortinas são de veludo vermelho... beijo sua testa e durmo.
Acordo molhado de suor e gozo e sinto seu cheiro... seu cheiro inconfundível.
Slept!

6 2/23/2005 5:10 AM
- Acorda, rapaz!
Sinto os tapas em meu rosto antes da luz dolorosamente me golpear as retinas.
- Adriana! Adriana! Adriana!
Slept!
- Deixa de ser besta, moleque.
Slept!
- Você não é o primeiro que ela machuca...
Slept!
- ...nem vai ser o último...
Slept!
- Agora mesmo ela está com outro... e vocês todos vêm aqui e pedem sempre a mesma coisa... - fazendo uma careta e imitando minha voz – Vodka tridestilada tripla...
Slept!

7 2/23/2005 10:31 AM
Minutos depois, estou enrolando uma atadura em minha mão esquerda... não sei de onde o barman a tirou e pelo aspecto dela, rezo para que não me dê uma infecção generalizada. O silêncio entre nós é ensurdecedor. Ele beberica seu martini seco (eu achava que só se bebia isso nos filmes) enquanto prepara um coquetel não alcoólico para me rebater o porre. Ele coloca um copo grande e um frasco de adoçante dietético enquanto segura a coqueteleira... 12, 13, 14, 15, dezesseis gotas...
- A torre tombada - ele sentencia, rompendo o silêncio - péssima escolha no Tarot.
Mais uma gota cai no copo...
- A estrela é bem melhor, não?
Consigo sorrir, mas parece que anzóis estão puxando os cantos de minha boca.
- É difícil sorrir, né? A gente acostuma rápido a sofrer.
Eu aceno que sim com a cabeça.
- Procura não pensar.
Novo aceno e os olhos estão embaçados de lágrimas.
- Ela sempre faz isso... sempre e sempre.
- Ela quem? Balbucio
Ele levanta a sobrancelha:
- Não sei... nem me lembro quem eu sou. Confesso.
- "Sofrimento é um único e longo momento".
- Quê?
- Wilde, Oscar Wilde.
- Ah... Você a conhece?
- Não.
- Mas...

8 2/23/2005 10:33 AM
- Eu a conheço pela boca dos que passam por aqui, amargurados, desiludidos... deve ser uma grande mulher... A perda dela destrói o coração de vocês todos.
- Deve ser. Dói sem que eu mesmo me lembre dela.
- Beba tudo... faz bem.
Realmente está ótimo. É verde e parece um daqueles drinks pavorosos que as pessoas bebem no litoral, mas é bem refrescante e cada gole dá um novo alento à alma... se eu tivesse de dar um nome a ele, eu o chamaria de "esperança à le soleil", ou alguma viadagem do gênero.
- Você tem certeza de que não se lembra de nada?
- Tudo que eu me lembro é de estar parado aqui em frente ao balcão te olhando com cara de idiota.
- Ah, isso todos vocês fazem.
- Onde é aqui?
- Isso não faz a menor diferença.
- Mas?
- A resposta vai ser mais longa e complicada do que você esta podendo suportar, então para simplificar, você está onde você precisa estar e pronto.
- ... Muitos vêm aqui por causa dela?



- Mais do que você gostaria de saber, mas bem menos do que você teme... Ela é um privilégio de poucos. Todas elas que deixam vocês de olhos vazios e mortos em vida sempre são...
- É, faz sentido...
- Não faz sentido, eu estou certo... todos falam de uma mulher deste tipo... Anas, Andréias, Carolinas... todas, todas que não mereciam os amores que lhes eram dedicados. Todas, todas não souberam ou não quiseram construir algo junto de homens para quem elas eram especiais... esta é a história que impregna este balcão... para tirá-la teria de raspar até o miolo da madeira. O que posso dizer? Você encontrou a pessoa certa na hora mais errada possível... tua e dela... alguns anos antes ou alguns anos depois, e talvez a história tivesse sido diferente, mas este não é, em absoluto, um mundo perfeito... Vocês se encontraram como se encontraram e queimaram todos os cartuchos em uma só tentativa e pronto!

9 2/24/2005 4:37 AM
Eu fuço em meus bolsos e tiro o isqueiro... um papel meio amassado vem junto, eu o desdobro e leio.
- Ah, não. Mais poesia ruim... Alguém precisa me proibir de escrever... ouça isto:

Vê?

Chrystian R. Silva

“Vê?
Vê esta linha aqui?
Esta, acima da sobrancelha esquerda...
Foi causada pelas desconfianças e suspeitas da minha vida...
vê como a sobrancelha se alteia?
E estas paralelas na testa?
essas foram causadas pelos espantos e pavores na minha vida.
Nota ainda estas perpendiculares entre as sobrancelhas?
estas foram causadas pelas dores e fúrias que tive e que me tiveram nestes anos todos.
E esta forte sob o lábio inferior?
Esta foi minha arrogância e prepotência que causou, as caras de desdém que a cavou.
Estas flanqueando a boca são das gargalhadas de escárnio e dos esgares de pranto.
Cada uma destas linhas tem história.
Juntas, elas contam a minha história...
Me orgulho delas, tenho carinho por elas...
Mas especialmente por estas duas covinhas ainda rasas, mas já
marcadas e se aprofundando...
São as marcas do sorriso que você me devolveu!!!”

O barman se debruça sobre o balcão, entrelaça as mãos e repousa o queixo sobre elas, pisca rápido algumas vezes e fala com voz melosa e cheia de sarcasmo:
- Ai que lindo!
Eu me silencio. Qual apaixonado não é patético?
- “Canções de amor se parecem porque não existe outro amor”.
- Ezra Pound?
- Não, Zeca Baleiro.
- É mesmo...
Pausa se arrasta... dá para ouvir as engrenagens do tempo... o ar fica subitamente carregado.
- Ela me disse, em nossa última conversa sobre o assunto “nós”, que ela quer um homem que a coloque para cima, não um que fique o tempo todo deprimido... a levando para baixo.
- Ah, já está se lembrando?
- S-sim... Balbuciei espantado.
- Então, deixa eu ver se entendi... ela chega, te dá um tiro no joelho e te diz que não quer um homem manco com ela?
- Acho que é.
- Hmmmm... ela quer um homem que a faça rir e a deixe de alto astral... porque ela não tem um caso com o Bozo?

10 2/24/2005 4:40 AM
Rimos... riso bom, ainda que amargo. Ele tira um cantil do bolso interno, serve duas doses ergue o copo e propõe um brinde ao palhaço amigo das crianças e das mulheres fatais.
- Mas, agora que vc esta começando a se lembrar das coisas, me diga, amigo... hmmm... – olha em meus “tags”-... Chrystian... o mais importante não é O QUE ela falou, mas COMO...
- Bem, ela parecia um iceberg...
Estabelecemos trincheiras de silêncio em um momento de cumplicidade... eu não preciso ouvir que lutei, por tanto tempo, uma batalha perdida.

11 25/2/2005 06:15
Súbito, às minhas costas:
- Tem fogo, bonitão?
Nossa! Chavão dos chavões! Falta ela dizer: “Me paga uma bebida, bonitão?” Acendo o cigarro dela.
- Me paga uma bebida, bonitão?
É pior do que eu pensava! Mas ela é alta esguia, pelas roupas eu diria que ela acabou de chegar, à pé, de Woodstock. Roupas indianas, cara de criancinha abandonada, emoldurada por uma cabeleira ondulada cor de cobre. Brincos e piercings nos lugares de sempre... crianças...
- Você tem idade para beber?
- Você não imagina as coisas que eu tenho idade para fazer.
É... devo admitir, ela tem atitude. Mas não vou dar o braço a torcer.
- Dá um copo de leite com chocolate a ela. Digo ao barman
- Ei, cara! Tô tentando ser legal com você. Dá para ser legal comigo?
- Desculpe.- dirigindo me ao barman- Corta o chocolate... ela vai de milk shake.
- Tá bom, tchau... ela se levanta e vai saindo.
- Não, espere.
Seguro-a pelo cotovelo, e uma onda de magnetismo animal flui neste toque sutil... Meu Deus!
- Vamos começar de novo... em me chamo...
- Eu sei como você se chama, estava ouvindo a conversa.
- Então como é o teu nome?
- Me chama de Maria.
- Maria de que?
- Sei lá... Maria de Jesus, se você preferir...
Ela é atrevida... gosto disso...

12 25/2/2005 07:29
Um tilintar de copos. Nos voltamos. O barman nos estende dois copos estreitos com um liquido cor de âmbar:
- Acho que os pombinhos podem brindar por conta da casa.
- Obrigada, Raul.
- Que pombinhos?
Bebemos de um gole só... Tequila, e boa.
- Raul, me empresta teu depósito?
Ele estende a chave:
- Estava esperando você pedir, Clara.
- Ei! Você é Maria, Clara ou o que?
- Cala a boca.
Ela me segura pela corrente e vai puxando... a corrente (de aço), resiste e eu vou meio que sendo puxado como um cavalo para o pasto.
- Ei! O que você vai fazer?!? Onde estamos indo?!?
Ela me ignora e abre uma porta ao lado do balcão e me empurra para dentro. Depois que ela entra e tranca a porta, ficamos imersos numa escuridão abafada.
- Você fala demais. Onde é que está?
- Você é louca ou o que?
- Cala a boca, seu boçal!!! Cala a boca e tira esta roupa!!! Merda!!! Onde está? Essa bicha do Raul esta sempre mudando as coisas por aqui!
Alguma coisa de vidro se parte, coisas de metal rolam. Estou furioso. O que está acontecendo? É alguma brincadeira desses dois?
- Ah! Aqui!!!
Um clique e temos luz, ou quase isso... uma lâmpada pende do teto invisível, perdido nas sombras... ela balança nervosamente ‘a altura de meus olhos, protegida por um cone aberto de metal, quase um chapéu chinês. Ela bruxuleia como uma vela... na realidade é quase uma vela elétrica.
- Vai bancar a mariposa e ficar hipnotizado pela luz? Não tem nada melhor para fazer, não?
Ela se posta intimidatória à minha frente, punhos apoiados na cintura, imediatamente embaixo da luz. Sombras cobrem seus olhos, mas eles faíscam.

13 25/2/2005 08:17
Isso já é demais! Eu a agarro pelo ombro e cintura e a empurro até a parede... algumas garrafas caem na meia-luz. Fodam-se as garrafas. Eu a encosto contra a parede... com força, mas sem violência, não quero machucar a pirralha... deve ter uns vinte anos... é uma criança...
Ela provoca:
- Vamos, perdeu os colhões com a putinha que te partiu o coração?
Eu encho a mão em seu púbis:



- É isto que você está querendo, putinha?
Ela aspira o ar ruidosamente como que levou um soco no plexo solar. Eu insisto e faço mais pressão em seu púbis. A outra mão, uma aranha veloz, vai levantando sua saia.
- Sim, ela replica com a voz molhada, sim...
Levanto sua saia, ela faz menção de ajudar, eu a detenho e com firmeza encosto suas mãos na parede... dir-se-ia que ela estava crucificada. Sua respiração é ofegante e ruidosa, seus olhos alucinados estão bem abertos fixando meu rosto feroz. Eu a beijo. Seu beijo é violento, perece que ela quer devorar meus lábios... sua língua serpenteia enroscando-se à minha, quente, plena de possibilidades. Levanto sua saia firmemente, cuidadosamente, até à altura das axilas, levando consigo a camiseta regata que ela usa.
- Ei... ela protesta.
- Agora você cala a boca!
Ela sorri o sorriso dos selvagens.
Eu passo sua saia por sobre a sua cabeça... ela geme... arranco a calcinha diáfana de um golpe só, ela me enterra as unhas nas costas e pescoço. Me abaixo e a seguro pela parte interna das coxas e a levanto... ela sibila como um pequeno réptil... levo-a até a altura de minha boca... seu clitóris esta enorme e pulsando... se conseguisse enxergar, diria que ele está vermelho de tão irrigado... passeio minha língua por ele... de cima para baixo, depois de um lado para outro... depois sorvo-o como um gato sorve leite (elas adoram isso)... ela geme gutural... delicadamente a trago até meu púbis, já livre de empecilhos e pulsando com uma animal perigoso. Encosto-a mais ainda e mais firmemente na parede, e de um movimento só, a penetro. Ela fala gutural:

14 25/2/2005 08:23
- Me fode com raiva, meu animal, com raiva é mais gostoso!!!
Seu rosto ainda está encapuzado pela saia, mas ela não faz a menor menção de tirar, ao invés disso ela se lança a mim em beijos impossíveis quando eu arremeto, golpeando seus quadris. Suas pernas abraçam minha cintura, ameaçando-me partir a espinha.
- Me come com raiva, meu garanhão, meu cavalo... com raiva é mais gostoso!!!
A cada investida que dou, sussurro ameaçador entre dentes em seu ouvido obscenidades e ordens que sei que não pode cumprir... a chamo de minha putinha, minha égua, minha cadela. Ela responde pedindo para eu comer a minha putinha com muita força e raiva para ela gozar gostoso... mas não é mais necessário, pois ela subitamente arqueia as costas quase me derrubando, uma de suas mãos se crava em meu ombro direito, enterrando as unhas quase na altura de minhas tatuagens, a outra munheca, ela coloca na boca, mordendo com vontade, e grita abafado, e frenética, movimenta seus quadris como um demônio, estimulando-me ao orgasmo! Foi um orgasmo como poucos.
Escorregamos lentamente até ficarmos entrelaçados no chão, um nos braços e pernas do outro.
Ela sorri e pergunta rouca:
- Tua putinha, mete assim?
Estou silencioso.
- E ela ainda te largou?!? Insiste
Estamos exaustos. Não sei como vamos sair dali, mas não vai ser agora... agora quero me recuperar... agora quero mais e mais alegria em grandes doses!
- Meu nome é Carla.
Sorrio...
- O meu é Chryz.
- Eu sei. – Ela faz careta.
Nos beijamos.

15 28/2/2005 04:38
Perdemos a conta dos ciclos de suor e tesão que atravessamos juntos. O calor do depósito e do sexo queimara cada mililitro do álcool em meu sangue. Ao fim de horas (talvez?) quedamos mudos, reclinados e juntos. Ela quebra o silêncio.
- Sabe, eu conheço vocês, todos vocês...
- Que?! ?
- Vocês passam através da vida com essa armadura de inocência... vocês não Vêm maldade em ninguém. Isso seduz qualquer mulher... frescor, pureza.
- Você é louca!
- Pode ser, mas vocês são caros, pedem sempre mais de nós. Vocês querem nos proteger, nos amar, nos fazer felizes. Chegam e anulam nossa independência, sendo paternalistas. Veja, queremos um naco desta pureza, mas quando vemos que isso não nos pertence, os abandonamos.
- Você está bêbada!
- De milk shake? Duvido! ...Aí vocês perdem a inocência... mas é pior... para nós. Antes vocês nos vêm melhores do que jamais seremos (e isso nos encanta, nos faz amá-los), mas quando sumimos, nos vêm piores que cadelas. Nos sentimos monstros e, para vocês, realmente somos.
- Pára!!! – Lágrimas correm.

16 28/2/2005 06:25
- Vocês têm olhos de anjos. Magoados, ficam com olhos tristonhos de anjos caídos... quando os olhamos, sabemos que os fizemos perder o paraíso. Qualquer mulher se derrete com o charme que vocês têm, mesmo caídos. Qualquer mulher quer consolá-los, abrigá-los, ver o fogo voltar ao olhar duro que, então, vocês adquirem, meu anjinho... e aí quer nos desgraçamos. Acabamos viciadas em vocês porque nos vêm maiores do que somos, e precisamos fugir de vocês pelo mesmo motivo. Vocês se entregam por inteiro e precisam de alguém por inteiro, nada menos que isso.
Slept!
- Pára!
Eu me distancio dela como de uma serpente pronta para o bote. Seu nariz sangra com a bofetada. Choramos. Eu me aproximo dela, encolhida como um animalzinho ferido, e afago seus cachos de cobre. Ela limpa o sangue com as costas das mãos e sorri.
- Desculpe, eu...Ela me tapa a boca com os dedos.
- Shhh... Não me enche os ouvidos com este veneno doce que vocês têm. Não quero me apaixonar e cair de novo. é por causa de um de vocês que hoje eu sou de qualquer um que possa me dar um drinque, que tenha a mão pesada e fogo nos olhos.
Eu a via com clareza agora (tanto quanto me permitia a "vela elétrica"): a generosa pujança dos seios contrastando com sua magreza; o rosado das auréolas que se iniciavam nos levemente escurecidos enormes mamilos e terminava abruptamente em sua pele profundamente lívida. Um filete de sangue nascia em seu nariz e terminava na boca.
- Deus! Você poderia ser modelo!
- Eu JÁ FUI modelo! Comenta secamente.

17 28/2/2005 06:41
Carla respira pesadamente... o comentário teve efeito mais devastador que o tabefe.Seu rosto se transfigura em uma máscara mortuária coberta de teias de aranha de sofrimentos esquecidos. Ela limpa a garganta e começa, com a voz embargada:
- Sabe, uma vez, quando eu era criança, vi uns meninos da vizinhança espancando um cachorro...
- E daí? Minha voz soou impessoal e fria.
- ... era um cão velho e dócil, brincava com todo mundo. Era tão bonzinho que nem corria atrás de gatos. Mas eles queria ver como o cão reagiria... mas quando eles sentiram o gostinho de sangue, não conseguiram mais parar.
A história começou a me inquietar.
- ...O velho cão grunhia, se rastejava e se mijava todo. Parecia um filhote, o velho cão. Ele tentava lambê-los, achando que se os agradasse, eles parariam o sofrimento dele.
Estou de olhos arregalados e ofegante.
- E o que aconteceu com o cão? Engulo em seco, meu estômago esta prestes a devolver o que quer que contenha.
- Um dos meninos veio comum tijolo namão e lhe esmagou a cabeça.
Eu aperto meus olhos. Eu fui esse cão e tudo que fiz teve a mesma utilidade. A voz dela parece vir de um bueiro.
- Eu estava com raiva quando eu destruí meu anjo. Ele jamais se recuperou... nem eu.
Quando eu abro os olhos, a sombra em seus olhos está borrada. Ela sorri um sorriso afetado, me beija os lábios e diz:
- Vem, paga uma bebida para a tua putinha, vem...

18 1/3/2005 09:54
Saímos com a famosa cara de cachorros vadios. Raul (mas que nome de pederasta), o barman, está ocupado servindo um whiskey duplo a um homem bem vestido com cara de gorila. Ele tem o nariz quebrado e sorri torto... o típico capanga de filmes de gangster. Ambos riem de uma piada suja contada pelo mesmo. Algo a ver com um cavalo em uma clínica de inseminação artificial... de toda forma, a piada não parece ter a menor graça.
Carla me pede moedas para o jukebox. Ela corre como uma criança indo para uma confeitaria com as mãos cheias de moedas. Ela se esquiva de mãos diáfanas que tentam agarrá-la em meio à bruma de nicotina e outras substâncias. Ela se vira e sorri. Peço duas doses... uma de vodka e a outra de whiskey... Raul comenta sobre os "grunhidos afáveis" que puderam ser ouvidos do balcão... Mando ele a um lugar que ele não gostaria de estar.
A música começa... "Little white lies" Como pode? Ela tem uma mira certeira para os lugares onde dói! Me viro para amaldiçoá-la, bem a tempo de vê-la sendo tragada por um par de braços no meio do escuro. Ela ri contente. Pronto, ela se foi.
- Ela não pára. Comenta Raul.
- É... tem um foguinho que nunca vai apagar.
- Com todo aquele combustível...
- É... Fico pensativo... por tudo o que ela me disse, sua história deve ter sido difícil.

19 1/3/2005 09:59
- Ah...meu amigo, "as pessoas mais interessantes são as mulheres que têm passado e os homens que têm futuro."
- Wilde de novo?
- Conhece esta?
- Acho que todo mundo conhece. - Estou ficando rabugento...- Você não se incomoda com isso acontecendo por aqui? - aceno com a cabeça apontando para Carla que ajuda um homem cambaleante a entrar no banheiro. Ele levanta, impudente, sua saia.
- Não e você?
- Claro que não, por que deveria?
- Não é o que parece.
- Por que acha que eu iria querer ter privilégios sobre a putinha?
- Sei lá, diga-me você.
- Ora, homem, deixe de conversa e me enche este copo... estou desidratando.
- É um dos efeitos do álcool... e beber mais álcool para remediar é como apagar um incêndio com querosene.
- Você é bioquímico, por acaso?
- Não...
- Então me sirva a dose e pronto.
- Okay, mestre... Risos...
Eu não deveria ter sido grosso com ele. Mas quando se está irritado e meio bêbado, é melhor fazer pequenas bobagens que grandes besteiras.
- Não se preocupe, eu não me aborreci.
- Vá à merda, Raul. Virou telepata agora?
- Com a sua cara, nem precisa ser um.

20 2/3/2005 10:30
- Onde você está querendo chegar?
- Eu? Eu estou onde eu quero, e você?
"Touché"... Ele abordou o problema cirurgicamente.
- O que você pretende fazer? - Ele continua puncionando a ferida.
- Bem, eu... eu não sei, mas as coisas não vão ficar assim mesmo.
- Você está parado em uma bifurcação... pensa nas tuas opções... - Ele não vai parar até chegar ao osso.
- Ora eu...
- Vamos lá...põe para fora! Cospe isso que está te fazendo mal.
O sangue me sobe à cabeça. Arremesso longe meu copo, ele se parte nas sombras. Nas sombras alguém pragueja. Eu urro como um demônio:
- Tá bom, você quer saber o que eu quero? Eu quero que aquela cadela sofra. Sofra cada pouquinho que eu sofri. É errado? Sim. Mas Eu me tornei o que ela fez de mim.
- Você acha que vale à pena? Não vou te julgar, mas adianta alguma coisa? Vai trazê-la de volta para você?
- Nada no céu ou inferno vai. - Rugi, frustrado, furioso...
- Então...?
- Então, o que eu posso e quero fazer é partilhar a minha dor. Ah, meu novo amigo... o inferno que eu vou trazer a quem cruzar o meu caminho! Vou ser o que já fui... um filho da puta. Um canalha!
- É... você precisa canalizar esta raiva senão isto vai te envenenar.
- Já envenenou. - Minha voz é um estilhaço fumegante e veloz de aço cortando a noite... minha boca se torna amarga.

21 7/3/2005 08:40
O gosto da bile se espalha pela minha boca... Sei que se continuar assim vou passar mal. A ânsia de vômito vem e vai... Como pode alguém chegar a este ponto? Existe algum círculo do inferno para gente como eu? Existem círculos mais baixos? Uma certeza negra se revolve em minhas entranhas, dizendo que se eu não fizer algo urgentemente, vou conhecer estes pontos mais baixos ainda. A raiva dá lugar à apatia, e esta à vontade de desistir... Meus pensamentos perdem gradualmente a coerência, há somente um fluxo de imagens e sentimentos que se amontoam e se sucedem a uma velocidade vertiginosa... Em um momento, sou um garoto vestido de branco prestes a receber a primeira comunhão, preocupado em manter meu coração limpo para que Jesus possa habitá-lo, para que ele não se enfureça com meus pecados ocultos e nem me condene à eternidade no lago de fogo de que o padre Geraldo tanto fala com requintes e cores que até parece que ele já o avistou. No momento seguinte, sou um adolescente que acaba de receber seu primeiro beijo... o primeiro beijo de amor... ela, cinco anos mais velha, se refestelava com meu corpo recém púbere mas já muito mais alto que todos de minha idade... já do tamanho de um adulto. Logo, sou um romântico e boêmio de alma limpa como só os inocentes têm. A seguir as devoções, as orgias... todas e cada uma, cada mão cada corpo que me tocou e eu toquei... todos sempre e ao mesmo tempo... e neste torvelinho, uma sinfonia descontrolada, uma voz, uma cor, um nuance, que se não manifesta, mas, por isso mesmo, sempre presente. Ela, para onde todas as rotas confluem... Ela, amante. Ela, perfumada... Ela cruel e distante... eu grito por ela. Ela sorri um sorriso cheio de farpas e agulhas e bisturis enferrujados. Seus olhos me cauterizam a pele... dói e a dor se expande, tocando cada célula de memória adjacente, contaminando-a como um câncer... e cada beijo, cada toque, cada mão, cada paixão é só dor e aspereza... aspereza e dor.



22 7/3/2005 09:59

Eu preciso beber alguma coisa. Não, eu não devo... eu sei, mas algo precisa parar esta dor. Minha bexiga me salva. Parece que toda a água do meu corpo está querendo sair.
Noto que Raul está pálido. Ele não se atreve a me dirigir a palavra. Minha cara deve estar horrível... um cara durão como ele não se impressiona à toa. Ele deve Ter visto um milhão como eu, me repito para acalmar. Levanto-me e me dirijo para o banheiro. Ouço ruídos abafados quando chego ao banheiro e me lembro que Carla e seu bêbado estão lá dentro. Vou, silencioso e rápido, ao reservado. Deus abençoe a todas as águas correntes e aos bêbados (menos o de Carla).
Ao lavar as mãos, vejo que minha cara está pavorosa. Tiro parte de minha roupa, e de peito nu, refresco-me com água gelada e sabonete líquido com aroma de erva-doce. A água corre pela cabeça, molha meu cavanhaque, escorre pelo pescoço e umedece minhas calças. Bendita água. Os ruídos de Carla e seu cliente tornam-se frenéticos... parece que ela tenta gritar com a boca abafada. Intrigado, contorno o muro que separa as duas alas do banheiro e descubro que do outro lado encontram-se mais reservados e chuveiros. E, em um destes encontra-se presa pelos punhos e com a saia enrolada pela cintura, o corpo lanhado da putinha de olhos de criança. Não sei se ela está bem... digo... bem, com aqueles vergões nas nádegas, coxas e dorso, certamente ela não está, mas aparentemente está viva. Nem sinal de seu bêbado... O que está acontecendo?

23 7/3/2005 10:40
Eu me aproximo rápido para desamarrá-la. Seus punhos estão arroxeados. É uma corda de muito usada... o filho da puta deve tê-la gasto muito espancando mulheres. Doente! Carla está com uma bola de pano em sua boca e um uma nesga de sua saia trava a mandíbula. Seus olhos se arregalam e só então me lembro que há mais alguém ali. Tarde demais. Uma dor aguda me morde o flanco e eu cambaleio para o lado, tentando me virar e encarar o agressor. É um sujeitinho patético, gordo e meio careca usando um par de óculos que fora a última moda há uns quinze anos. Claro, o sujeitinho patético está prestes a me golpear de novo com a fivela de seu cinto... É...eu não consigo fazer nada para impedi-lo de me acertar a têmpora. As luzes se apagam pela segunda vez na noite.
Tenho uma ligeira alucinação. Algo a ver com coristas em trajes de noite e pés de pato. Acho que os pés de pato deixam a mulher muito deselegante... não devem ser usados fora da água.
Volto a mim com um bate-estaca descontrolado me acertando em quase todos os lugares que doem. As luzes cintilam e percebo que estou quase perdendo os sentidos novamente. Se isso acontecer eu não vou mais precisar me preocupar com mulher alguma... ou com corações partidos, ou com hipertensão arterial ou mesmo com o aluguel ou o Juízo Final. Que venha o inferno do padre Geraldo com suas chamas a milhões de graus. É tentador. Mas é simplesmente ridículo morrer assim. Não tem honra alguma, mesmo para quem está despojado de toda vaidade. Ademais... tem a putinha... ninguém merece isso...ninguém.



24 7/3/2005 12:25
Eu luto para me levantar... o bate-estaca continua frenético... algo agudo morde continuamente meu flanco, meu lado e costas... eu espero que não estrague as tatuagens... A luz está falhando? Acho que não.
Ouço palavras ao longe... bem que eu queria entendê-las... mas pelo tom não devem ser agradáveis. Lentamente eu subo. Agarro-me a uma peça de metal... um apoio... lembro-me de meu professor de física citando Arquimedes... “Dê-me um ponto de apoio...” como era mesmo o resto? Professor Carlos... me deixa em paz... não vê que a coisa é séria? Porque você não larga estes esquadros e vem me ajudar? Alguma coisa atinge dolorosamente meus dedos e eu solto meu apoio. Cambaleio. Não posso cair. Se cair, já era. Eu me levanto. Preciso reunir tudo que eu tiver em uma só jogada. Abro os olhos... ele está levantando o cinto... essa vai doer... se ele conseguir terminar o movimento. Algo grita em meus ouvidos: “Agora!” Toda a energia que eu tenho se vai em um só chute em seu peito... ele cambaleia, se desequilibra e cai pesadamente na divisória do reservado. Ouço o barulho nojento de madeira molhada se partindo. Espero que não seja eu. Pela careta que o sujeitinho patético faz, deve ser ele... ele leva sua mão às costelas e urra de dor... hmmm... costelas fraturadas... eu me aproximo e chuto direto sobre elas, de novo e de novo... uma poça de urina se forma sob o homenzinho. Eu me aproximo da apavorada Carla. Desato às pressas seus nós... se eu desmaiar de novo, pouca utilidade terá esta vitória momentânea. Eu tiro a mordaça... ela grita:
- Cuidado!
Viro-me a tempo de ver uma pistola apontada em minha direção. Ouço o trovão... a mão do homenzinho se desintegra em uma chuva rubra.
Ainda sem entender, procuro com os olhos a origem do trovão. Raul está de pé a quatro passos de nós segurando sua calibre 12 com repetição e cano serrado. Bendito seja!

25 03/11/2005 07:31
Ele me aponta seu canhão. Os olhos são lápides. Sua fisionomia tranqüila de Ernest Hemingway está transfigurada por um ricto homicida nos lábios.
– Eu sabia que você era confusão! Murmurou entre dentes.
Sem nenhum aviso, e com o rosto imutável, ele leva o gatilho até o fim do repouso. Carla percebe tão claramente quanto eu.
- Raul, segura tua onda, o cara ia me matar, ele me salvou.
Ele mantém a posição de tiro, se disparar vai pulverizar meu rosto.  Eu o provoco:
- Você acha que eu vou implorar?  Não sabe que vai estar me fazendo um favor?
- Pára, Chrys, não provoca. Por favor, Raul, relaxa. Ela implora.
Eu continuo:
- Vai, cara... me liberta. – Eu te perdôo.
- Você é louco? Vocês dois são loucos. – Carla está furiosa
Raul a olha de soslaio, volta seus olhos para mim. Um leve tremor embaixo de seu olho direito e ele recolhe o braço, levando consigo a ameaça da carga de chumbo. Eu tento tossir e engasgo. Cuspo. Um pedaço grande de um dente sai junto
- Tá bom, vão lá para fora que eu vou limpar esta sujeira.
- Obrigada, Raul.
Ela sorri de uma maneira diferente e me puxa pela mão. O corpo inconsciente está estendido no chão. Ao passar por ele, ela aplica um chute com muita vontade em sua cabeça. Eu cuspo. A saliva sai vermelha.
Passamos pelo balcão da pia e ela pega minha camiseta e parka. Faço menção parar para me lavar. Ela quase me derruba com um tranco.
- Vem, tonto. Ele quer ficar sozinho.
- Para que?
- Vem.
Olho “en passant” para meu reflexo no espelho. Uma série de hematomas começam a se formar em meu flanco e dorso; o rosto então, é uma bobagem! Tenho um supercílio aberto, a têmpora lateja, o sangue cobre meu rosto, um vergão está se levantando em minha bochecha esquerda, onde provavelmente a pesada fivela passou de raspão. Não dói...por enquanto, meu sangue ainda está quente.
- Vocês ainda estão aí? Ruge impaciente Raul.
Carla me puxa e saímos apressados. Mal a porta se tranca às nossas costas, o trovão soa novamente. Olho alarmado para ela, que se limita a sorrir um sorriso amargo e sussurrar:
- Filho da puta!
Fora ingenuidade minha achar que um lunático altamente motivado (ainda que patético) ia ficar fora de combate por causa de um par de costelas quebradas e isso quase nos custara a vida.
Sou forçado a admitir que o filho da puta tem tutano... tinha, aliás.

26
Chegamos ao balcão. O salão esta bem menos povoado. Acho que confusão e polícia é o que menos querem os freqüentadores deste lugar. Ainda estou sem camisa e os cortes voltaram a sangrar. Isso vai longe. Sinto meu supercílio pulsando e a cada pulsação ele aumenta de tamanho... vai haver um belo hematoma aí... garboso e lustroso feito um milico no dia do soldado.
Carla invade o balcão, remexe nas garrafas e sai de lá com uma de rum e umas toalhinhas de rosto de um branco impecável nas mãos. Ela quebra o lacre, abre a garrafa, embebe uma das toalhas e vem em minha direção. O toque macio da toalha empapada em bebida desperta meu corpo até então amortecido para as sensações dolorosas. Dói muito, arde, lateja, raspa, rasga... é um apocalipse com baixo orçamento.
Raul parra arrastando um grande saco de lona imundo. O saco marca seu rastro com vermelho líquido. Ninguém parece ligar muito. Pobre diabo, acho que vai parar anônimo em um container de lixo.

27
Carla não dá trégua. Ela raspa os machucados. Talvez queira tirar algum sobrevivente dos escombros. Eu? Eu aceito a dor sem um pio. A dor alivia a dor. A dor tornou-se minha amiga, minha redenção, minha purificação. Carla esfrega as feridas... quer me fazer gritar, a puta. Resisto bravamente. Ela toma a iniciativa:
- Você acha que eu devo cair de quatro e agradecer pelo que você fez? 
- Eu não acho nada. Respondo seco... parece que um dos meus molares está solto.
- Você se considera um herói, não é?
- Eu não me considero nada.
- O que você quer de mim? – Sua voz é agora um guincho desagradável.
Estou num humor mais sombrio que antes.
- Eu quero que você pare de descontar em mim a porra da tua vida.
Ela me olha furiosa e afunda a toalha em meu olho. Dói, dói demais. Eu a seguro pelos cabelos e a puxo para mim. A beijo. Ela tenta se desvencilhar e eu a seguro. O beijo tem gosto de sangue. Ela enfia as unhas em minhas costelas e eu prendo mais ainda seus cabelos. Ela fecha seus olhos e me abraça.
- Filhodaputafilhodaputafilhodaputa... Ela sussurra baixinho... há lágrimas em seus olhos.
- Eu...
- Não fala nada.
Há uma nuvem de inevitabilidade impregnando a tudo. Um “dèja-vu” melancólico com fotos amareladas e sonhos desbotados.

28
- Eu sabia que vocês dois iam se entender.
Raul está de volta... sorridente. Ele está tão radiante que quem não soubesse o que aconteceu diria que é molho de tomate maculando sua camisa branquíssima.
- Ao inferno com você, Raul! Eu praguejo.
- Eu não te falei? O inferno não existe... mais. Abriu falência por causa da concorrência desleal.
- Eu acho que vai precisar uma operação plástica para tirar este sorriso de sua cara. Você curtiu aquilo, né?
- Ele mereceu. Disse secamente
- Mas não precisava curtir.
- O que você é agora? Membro honorário da Associação Cristã de Moços?
- Você ia atirar em mim.
- Ia, você queria isso, não?
- Sim. Porquê não atirou?
- Tive uma idéia melhor.
- Qual seria?
- Você vai cuidar da Carlinha.
- Como? Virei criança agora? Carla protesta.



- Cala a boca. Raul ordena e prossegue. – Se ela continuar aqui vai se foder legal.... você viu.
Concordei com a cabeça.
- ... então você a leva, devolva-a ao mundo dos vivos e a gente está quites.
- Senão?
- Você não quer me contrariar.
- Hmpf. Mas e se ela não quiser ir?
- Você é cego ou o quê? Não vê que ela vai te acompanhar se você mandar?
- Ei... – Carla protesta novamente.
- Carla, mais um pio e você vai levar uma na boca. Raul ruge.
Magoada ela se estica e pega o que restou do rum e bebe direto do gargalo.

29
- Tá... concordei... e o que eu ganho com isso?
- Talvez não a tua redenção, mas consegue ficar vivo para fazer o que bem entender... encare ela como a samambaia de estimação que mantém o solteirão vivo.
- Ei... seus machistas... vocês perguntaram o que eu quero?
- Okay, milady... o que você quer? Raul torna-se suavemente ameaçador.
Carla hesita, olha para mim, olha para Raul, corre os olhos de criança pelo bar. Silencia por alguns momentos. Como que lendo seus pensamentos, Raul observa:
- O que você ainda não percebeu é que isto aqui é uma igreja. Todos os que aqui vêm o fazem para reverenciar seu único objeto de fé. Eles são os fiéis e eu, seu sacerdote. Todos os dias eles vêm receber o sacramento que eu posso oferecer. Um sacramento que lhes dá a bênção do esquecimento... até à manhã seguinte, quando começa tudo de novo. É isto que você quer? Se for, eu retiro tudo o que eu. - Aponta para mim.
Ela abaixa os olhos... fita a garrafa em suas mãos.... toma um longo trago e a solta... simplesmente a deixa cair... a garrafa se parte.
- Vem, tonto... vamos antes que eu me arrependa.

30
Sem razão aparente, estou quase feliz. Viro-me para Raul:
- E sobre...
- A conta? Não se preocupe, se eu quisesse ganhar dinheiro não teria me tornado um barman.
- E...
- Aquela que te deixou assim? Também não se preocupe... Estou até vendo ela chegando aqui... andar pausado, de potro cansado... olhos baixos... ela vai sentar naquela cadeira ali – aponta uma na quina do balcão – vai cruzar seus braços sobre o balcão, esconder seu rosto neles e pedir...
- Uma vodka tridestilada tripla! Falamos ao mesmo tempo rindo.
- Sim... - completa Raul- e neste dia ela vai se lembrar, ou melhor, ela vai ser lembrada do que é ser pequeno e vulnerável.
Ele sorri, profético... seus olhos brilham, ele prossegue:
- Você escreve, não? Aproveite isso para melhorar... Escreva. Escreva sobre ela, inclusive. Mas, quebre seu mito. Lembre-se: o extraordinário era seu sentimento por ela, não ela em si. Em última análise, ela vai ser lembrada apenas pelo que você escrever.
Eu deixo algumas moedas no balcão e sentencio:
- Neste dia, diga que a primeira é por minha conta.
- Amém, baby... - Raul faz a vênia.
Carla me enlaça pela cintura e me puxa:
- Vem, tonto... vamos deixar o Raul pajear outro bêbado.

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