terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um amante para Laíse ( Contos paranóicos 2)

(texto inacabado de autoria de Sílvia Helena Menezes de Castro in memoriam)

Parada, à frente do guarda-roupas aberto, tenta escolher alguma coisa menos sóbria, que indique seu estado excitado de espírito. A voz, gente, aquela voz ao telefone encheu sua pele de arrepios que ela ainda não conhecia, mas já ouvira falar.
“ - Então, nos encontramos às 15 horas na praça de alimentação do shopping***, em frente ào restaurante árabe. Vou usar camisa pólo vermelha e estarei com uma maleta preta em cima da mesa, esperando você, e então vamos para outro lugar. Quero fazer tudo ao vivo, tudo que teclamos.... Tudo bem, Laíse ? Você está me ouvindo ? Combinado ? “ Perguntas que a puxaram de novo para a terra...
“ - Ahammm, tudo bem, encontro você às 15, no lugar combinado. Ainda não decidi o que vestir, mas minha bolsa também será vermelha.... e grande, e quero muito ... quero muito”, afirma ela, como se precisasse se convencer de sua própria vontade.
                 Moça de origens humildes, Laíse rememora o sensaborão que tem sido sua vida , uma vida inteira de “negação dos próprios desejos, de recalques e de chatice”. Edilza, maluca, a amiga de mais de 20 anos foi quem a despertou, foi quem lhe acendeu a gula do prazer, da indolência, a gana de volúpia. Edilza criara para ela a identidade de mulher fatal na internet, Edilza a ensinara a usar o computador do marido em segredo, Edilza a ensinara a entrar em salas de bate-papo erótico e se fartar de prazer durante as tardes.
    Laíse. Até o nome , segundo lhe dissera a mãe, era uma homenagem singela à deusa Lisa, a Minelli, mas que a mãe não tivera coragem de colocar o mesmo nome forte na filha...Então surgiu Laíse, nome doce e tranquilo. Até isso, o nome que tentou apagar o fogo.
    Na escola, era a boazinha, limpinha e delicada, “tão pobrezinha, coitadinha, que dá dó”, diziam as professoras entre si. E ela alimentava pensamentos estranhos, pensamentos de aviões, festas de luxo, coleções de roupas caras e a mãe linda, bem vestida, não mais se acabando num tanque cheio de roupas. Roupas dos outros, que era isso que sustentava a casa, punha o feijão ralo na mesa. Do pai, uma lembrança apenas: dos tapas e socos brutais que dera na mãe, naquela noitinha remota, e da tentativa de             molestá-la, bêbado, enquanto a mãe se arrastava para pegar um pedaço de pau para abrir a cabeça do infeliz, no momento exato em que ele baixava as calças. Depois, a mudança, de madrugada, fugidas, uma trouxa de roupas em cada braço, alguns cacarecos e vida nova na cidade grande, um bairro afastado. Dificuldades. Humilhações. Mas , ia-se vivendo.
    Adolescente, sem ser rica nem linda, continuou doce e limpinha, mas os sonhos também continuaram, incomodando e martelando, até que a necessidade a empurrara para Eleandro. Moço bom, funcionário público, estável, embora sem grandes belezas nem imensos sonhos, mas a garantia de mesa posta, um teto sobre a cabeça, já que a mãe, doente, já não podia trabalhar. Primeiro namorado, um ano depois, marido. Apenas beijara o homem, embora seu corpo sentisse ímpetos de ir além. Mas se continha, tinha medo de, como dizia a mãe, “botar tudo à perder “ se cedesse, um centímetro... e continuava doce, limpinha.
    Adulta, casada, não tivera filhos . Nem alegrias desmedidas. Para falar a verdade , alegria nenhuma, que Eleandro era chato, careta, sistemático, sovina e pentelho; mas pagava todas as contas , com exatidão, no final do mês. E tudo corria nos trilhos, e ela continuava doce, limpinha...mal amada, mal comida, mas doce e limpinha. (...)

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